Em uma de minhas vidas passadas – acredito nelas, em reencarnação, etc, etc -, lá pelos idos de 600 a.C, estive em Éfeso. Fui conhecer Heráclito, o filósofo. Ao desembarcar no porto, perguntei por ele. Percebi uma reação estranha nas pessoas. Parecia que eu estava à procura de um E.T.
Alguém me perguntou: – O que o senhor quer com o Heráclito? Ele é uma pessoa antipática, um “mala” e não se dá conta disso. Vive censurando o estilo de vida das pessoas e não cuida da própria. Mas, se o senhor insiste posso dizer onde encontrá-lo.
Acabei por localizá-lo. Ele me agradou à primeira vista e nossa conversa foi muito interessante. Perguntei-lhe por que as pessoas o criticavam e evitavam. A resposta veio rápida:
– Não concordo com o modelo de sociedade predominante nesta cidade. Aqui há um arraigado padrão de materialismo, que se expressa em futilidade e egocentrismo. Estou fora!
Interessando-me pelo assunto, passei a ouvi-lo com mais atenção:
– Aqui todo mundo anda atrás da tal felicidade, buscando-a justamente onde ela não pode ser encontrada. Apegam-se às coisas materiais como se proporcionassem algum tipo de ventura permanente. Não adianta identificar-se com algo efêmero, fonte de ilusória sensação de segurança, que a qualquer instante pode desfazer-se.
E, subindo o tom da voz, continuou:
– No Universo tudo flui. Nada é permanente a não ser a mudança.
Para botar mais lenha na fogueira, disse-lhe que o ser humano não almeja só bens materiais. Ele vive de outras motivações como poder, fama, sexo. A resposta não tardou:
– Tudo é mais do mesmo. Todas impelem à ação e constituem objetivo de vida. São entendidas como um fim em si mesmas e não um meio para alcançar algo superior. Nada mais que ilusões, quimeras, existência e prazer passageiros. Uma concepção de vida muito limitada. Todos querem ser “alguém na vida” exceto a si próprios. Sei que a grande maioria não concorda comigo e por isso me despreza. Mas, não sou a única pessoa neste mundo a pensar dessa forma. Na China vive um tal de Lao-Tsé, que pensa igualzinho. Não conheço o cara, nas dizem ser gente boa. Sua filosofia baseia-se na observação das leis da natureza, e elas confirmam o que ele diz; que tudo no mundo material é exatamente assim: a vida é um fluxo e nós seguimos nesse curso por muitas vidas. As mais variadas experiências desenvolvem nossa consciência. Trilhamos vários caminhos de aprendizado. Não só os sábios, mas a vida também ensina. Ela nos fala em muitas linguagens e se aprendermos a ouvi-las com os ouvidos da alma, talvez despertemos desse sono letárgico. O mais difícil é mudar a natureza dos nossos pensamentos.
Percebendo meu interesse, Heráclito prosseguiu:
– Mencionei vários caminhos. São etapas, ciclos de evolução. Pontos de inflexão, onde nos renovamos. São travessias, feitas de enfrentamento de incertezas, necessidade de despojamento e adaptação a novas realidades. São viagens ao desconhecido. Sem elas não há crescimento.
Heráclito, já revelando cansaço, fez uma pausa, olhou-me firmemente e terminou a conversa com estas observações:
– Nas horas vagas também sou profeta. Daqui a muitos séculos, não sei quando, nem onde, um tal de Fernando Pessoa revelará que “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas; que já têm a forma dos nossos corpos, que nos levam sempre aos mesmos caminhos e lugares. É o tempo da travessia e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado à margem de nós mesmos”.
E por aí se encerrou nosso bate-papo. The End.
Por Gilberto Silos
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