Um Estranho Encontro
Lembro-me perfeitamente. Foi em janeiro do ano passado. O coronavírus já era notícia, mas ainda não se falava em pandemia e restrições. Encontrava-me no terminal rodoviário do Tietê, em São Paulo, em viagem a uma cidade do interior. Enquanto aguardava o ônibus, fui a uma cafeteria onde ficava disponível um piano para qualquer cliente tocar livremente a melodia de sua preferência. Saboreando meu café, notei um rapaz de pele bem clara executando a Polonaise de Chopin. Fiquei bem impressionado.
Pouco mais tarde, dirigi-me à plataforma de embarque. A grata surpresa foi notar que na poltrona ao meu lado estava o jovem pianista. Exalava um perfume estranho, agradável, algo que eu ainda não conhecia. Transmitia um ar de timidez.
Não me lembro como, mas quebramos o gelo e iniciamos uma conversa sobre temas filosóficos. Ele se adiantou falando sobre o hermetismo. Logo de início citou o conhecido axioma hermético “o que está em cima é igual ao que está embaixo”. Na minha santa ignorância pedi-lhe que explicasse o significado daquelas palavras que eu já lera em alguns livros.
Recordo-me até hoje de sua voz pausada e serena tentando explicar-me que “tanto no macrocosmo (o Universo) como no microcosmo (o ser humano e os pequenos mundos) predominavam as mesmas leis. Um bloco de ferro consiste em espaços ao redor dos quais giram partículas atômicas. Entre essas partículas as distâncias correspondem proporcionalmente às distâncias entre os planetas do nosso sistema solar”.
Essa afirmação causa perplexidade porque um bloco de ferro parece ser muito sólido.
Ele argumentou que “a grande maioria dos seres humanos ainda não desenvolveu uma capacidade de percepção tão aguda e sensível. Reconhecemos apenas partes de um contínuo, de um todo. Percebemos, por exemplo, somente uma parte do espectro da luz. Ouvimos algumas frequências compreendidas num determinado intervalo. Alguns animais podem perceber sons e cores inacessíveis aos humanos, caso estes não tenham desenvolvido algumas faculdades mais avançadas”.
Perguntei-lhe como seria possível entender tudo isso sem desenvolver habilidades extrassensoriais. Sua resposta foi bem simples e direta: “Usando a analogia. A partir da ideia de que “como é em cima também é embaixo”, procure transferir as experiências para um outro plano, para um âmbito menor, mais próximo de sua realidade cotidiana. O emprego da analogia permite-nos uma compreensão ilimitada do Universo. Isso se torna mais claro quando nos dispomos a aceitar o Universo como uma Totalidade, um cosmos (do grego “kosmos”, ordem) regido por leis. Leis que mantêm a coesão entre suas partes, integrando e interconectando em si uma infinidade de microcosmos. Pode ser entendido no próprio significado da palavra “universo”: UNI = unidade, totalidade; VERSO = partes, diversidade. O cosmos, Universo, existe em função da unidade e integração de suas partes. A alternativa a essa ordem cósmica” é o caos”.
No melhor da conversa o ônibus parou no terminal rodoviário de Campinas. Meu estranho interlocutor desembarcou ali. Perguntei-lhe o nome e número de celular. Ele não me respondeu. Limitou-se a sorrir; acenou-me discretamente e desapareceu no meio da multidão.
Segui minha viagem, mas a poltrona ao lado ainda estava impregnada daquele estranho e místico perfume.
Por Gilberto Silos
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