Vagas lembranças de um tempo distante

 

Vagas lembranças de um tempo distante

 

Vagas lembranças de um tempo distante

As lembranças são vagas, mas algumas imagens ainda permanecem na minha memória. O tempo é distante. Com certeza, meados dos anos 40. O palco: Casa Branca, cidade onde vivi minha infância e adolescência.
Éramos então uma família constituída por quatro pessoas: eu, meus pais, e minha irmã, um ano mais nova. Depois vieram mais três.

Minha mãe, professora primária, lecionava em escola rural no vizinho município de São José do Rio Pardo. O meio de transporte era o trem da Mogiana. Mas, com poucos horários disponíveis, minha mãe não podia viajar diariamente. O único remédio era permanecer na fazenda com minha irmã durante os dias úteis da semana.

Meu pai trabalhava na prefeitura de Casa Branca e morava comigo na casa de suas tias, duas senhoras idosas e solteiras. Éramos uma família sem casa e só nos reuníamos nos finais de semana, quando minha mãe e minha irmã chegavam de viagem.
Durante a semana, enquanto meu pai trabalhava eu permanecia com as minhas tias-avós naquele casarão construído no século XIX.

Minha memória ainda registra lampejos daquelas tardes calorentas e modorrentas. Naquele espaçoso quintal o silêncio era profundo, quebrado apenas pela sinfonia das cigarras aboletadas no arvoredo. Silêncio também interrompido no final da tarde, às 6 horas, quando os sinos da igreja matriz reverberavam um som solene que podia ser ouvido de todos os cantos daquela pequena cidade.

Com meu pai chegando do trabalho, era servido o jantar. Lembro-me da suculenta sopa no caldeirão de ferro posto sobre a toalha quadriculada. Enquanto jantávamos o rádio permanecia ligado no programa A Hora da Ave Maria, apresentado por Júlio Louzada. Em meio a preces e reflexões, o apresentador dava conselhos aos ouvintes que lhe escreviam sobre suas angústias e remorsos. Era líder de audiência naquele horário, tão popular que anos mais tarde viraria marchinha de carnaval.

Tempos depois, minha mãe conseguiria remoção para Casa Branca. A família, então, se reuniria definitivamente. Tínhamos um lar.
Do convívio com meu pai, lembro-me principalmente das tardes de domingo no circo, daquelas toscas arquibancadas de madeira, do algodão doce e do refresco de groselha; daquelas duas moças com suas pernas bem torneadas fazendo seus números de contorcionismo no picadeiro, dos palhaços, trapezistas. E, no alto- falante, o som de “Begin the Beguine”, tocada pelo Jazz Band de Artie Shaw e sua clarineta:

“When they begin the beguine

Its brings back the sound of music so tender,

Its brings back a night tropical splendor

Its brings back a memory ever green…”

Até hoje me dá prazer ouvir Begin the Beguine.
Lembranças, vagas lembranças…

Por Gilberto Silos

 

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Sobre Gilberto Silos 244 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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