Vertigens
Por Beth Brait Alvim
Decidi comprar o livro Vertigens, do querido poeta, tradutor e professor Wilson Alves Bezerra, que está sendo vendido muito barato na Amazon. Não por causa do preço nem por ser prêmio Jabuti de alguns anos atrás (não cremos em prêmios, nós, um grupo de poetas considerados). Hoje penso três vezes antes de comprar um livro, sobretudo de poesia. Doei muitos, antes tentei lê-los, sobretudo esses tantos que têm sido publicados; não me tiravam os pés do chão. E isso tem de ser o mínimo. .
Decidi comprá-lo porque invariavelmente a poesia de Wilson Bezerra me causa vertigens. E, afinal, o nome desse livro é Vertigens.
Até mesmo no caso particular de uma tradução dele. Há pouco tempo, a seu pedido, gravei um poema do livro Minha alma é uma selva de raízes vivas, de Alfonsina Storni, traduzido por ele, lançado pela Iluminuras. Storni, autora nascida suíça em 1892 e muito pequena radicada na Argentina, foi apresentada à minha geração através da belíssima canção Alfonsina y El Mar , composição de Ariel Ramirez e Felix Cesar Luna do fim dos anos de 1960, interpretada pela bruja magnânima Mercedes Sossa, cuja letra narra o suicídio da poeta.
Muito jovem mãe solteira, Alfonsina escolheu Buenos Aires para enfrentar com menos rejeição social essa nova condição. Lá, trabalhou em uma fábrica e com a experiência operária, se envolveu com o sindicalismo e passou a defender as questões da mulher. Nos anos exigentes e impositivos das primeiras décadas do século XX, cujo império da indústria cultural crescente encerrava nos círculos de uma elite ditadora os costumes e os cânones artísticos aceitos, Alfonsina não cedeu às intimidações, mantendo uma atitude independente, tida como masculina, e se tornou uma das vozes feministas mais contundentes da América Latina. Sua produção poética e sua militância circulavam além de seus livros, e ela era lida em vários periódicos e jornais argentinos, apesar de ser posta à margem da literatura oficial por críticas duras feitas por Borges e, mais tarde, por Beatriz Sarlo, que teceu comentários grosseiros sobre sua poesia e sobre o seu nível cultural.
Da extração de um tumor no seio, em 1935, veio a negação do tratamento agressivo e a piora. Mortes sucessivas de pessoas queridas agravaram seu estado físico e emocional, que já era conturbado desde a infância, visto nunca ter tido uma vida tranquila.
Não suportando os ditames de sua doença e a tristeza diante dos suicídios do poeta Leopoldo Lugones, em 1938, e o de seu grande amigo, um ano antes, o também escritor Horacio Quiroga, Alfonsina suicidou-se no mar, em Mar Del Plata, em 25 de outubro de 1938, após enviar para um jornal seu último poema, Voy a dormir.
Hoje, basta um coup d’oeil sobre sua vida e obra, ainda tão distantes de nós, para nos surpreendermos com uma poeta versátil, intensa, estranha, que atravessa sem amarras de um estilo que pode ser taxado de anacrônico, ou clássico, até arroubos modernos ou pós-modernos.
Isto e aquilo, com certeza Alfonsina Storni é uma poeta e um ser humano que escancara em nossas faces tupiniquins, de um mesmo incrédulo continente, nossas almas maltratadas, a tristeza longínqua de nossas origens, e delas, nossas incontáveis perdas, esta nossa história perdida mais e mais.
Voz e Contra-voz, que eu escolhi para o áudio que o Wilson Bezerra me pediu, como eu já disse, ou para o podcast, se assim melhor entenderem, me causou um estranhamento imenso de imediato. Depois, testando para a gravação, veio uma certa falta de ar. Na primeira tentativa de conclusão, algumas gagueiras, uma pequena tontura. Na última, que fechei com gagueira mesmo, e que Wilson aprovou com entusiasmo, senti vertigem.
Só gosto de um poema quando ele me dá vertigens.
É um poema pós-moderno, talvez, se quiserem classificar.´
Eu prefiro dizer: é doido, um poema muito doido.
Vertiginoso, assim mesmo.
Bravos, Beth Brait
Obrigada, querido. Vertiginemo-nos
Querida Beth, que orgulho de ser seu contemporáneo, leitor e amigo!
Parabéns pelo texto e pela leitura desse belo poema.
Obrigada, querido