A cidade das casas brancas: A bruxa: Fluxo de água, barro e palavras

 

E era assim como sempre sendo de casas ali. Nem amigas nem tanto de conhecimento e memória todas. Elas em fila pequenas a maioria toda, grande poucas e ricas algumas de portão enormes de espaços vastos, reduzidas as outras pequenas casas de vidinha média de morrer possível. Casas de boa morte sem problema ou dor ou culpa, do povo os corpos os cortes, as feridas, as doenças e os cães. Pequenos e magros de latir nas rodas dos pneus e voltar perdidos em trotezinho alegre como os meninos de pé no chão no campinho e palavrões tão grandes e sujos e feios e a bola murcha de pé em pé e uma felicidade suada escorrendo de um tempo que ali se vai.
Ruas de chegar rápido e levar distante. Na memória as feridas imagens de outro tempo tanto muito sempre que não volta.
Nos postes e nos fios os pardais cinzentos como as nuvens de encobrir o sol e ameaçar com chuva e lama e sapo e mosca. No depois. Onde seca os corpos. E escorre tudo para as valetas que transbordam e impedem a velha Dona Júlia de atravessar o mundo de seus noventa anos de mesma e sempre casa antiga e valeta sua.
Parada. Os olhos fundos de colecionar imagens profundas na água escura de uma vala. Corpo pequeno e gordo de rugas que se misturam pelas ruas e raízes e águas e canais. Numa saia era a negra da velha. A possibilidade de ir não a seduzia, se podia não tinha graça Sem riso nem interesse. Mas quando chovia de barro e lodo o mundo, lá ia a velha, pés em barro de mundo antigo que tudo amolecia. Até o humor da velha. E era sempre a festa. De rir começava e todos seguiam. Um por um das casas fechadas ao largo da velha se reuniam. Sorrindo com o inusitado humor ancestral, embarrados. Pessoa por pessoa sorria de início seu próprio barro de vida até que uma gargalhada infernal coletiva e desumana atravessava a garganta de tudo e todos. E no barro deslizavam os corpos e as coisas e as doeres e as lágrimas, e dançavam em braços, abraçados, amarrados, cobertos da terra e da água e de um som de todas as bocas e barrigas e silêncio.
A velha voltava para dentro das paredes de seu mundo casa outra coisa qualquer. E eles arfavam cansados suas desfigurações. Cobertos, encobertos, recobertos da mágica violência da terra e da água e da velha que era bruxa e era louca e era a Dona Júlia que já não estava. E era morta e a casa vazia sempre. E as pessoas assustadas e tremiam e corriam pelas ruas e pelas rugas da velha. Em arrepios e soluços de vida e morte que era a sombra e a luz e a terra e a água e a loucura da velha.
Fingiam em seus sonhos que nada era real e que o que era não era. Mas sabiam. Sabiam que ali as coisas eram pela diferença e rebeldia. Como se tivessem plantado as raízes das casas em terreno engenhoso de sonho e imaginação coisa de Deus e Diabo, de mágicas e fabulação que não explicar era a lei e vontade.
Assim era o dia que começava sempre o mesmo e igual na Cidade das Casas Brancas.

Sobre Ronie Von Rosa Martins 25 Artigos
É mestre em Educação pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (2012), especialista em Literatura Contemporânea Brasileira pela Universidade Federal de Pelotas(2002) e também especialista em Linguagens Verbais e visuais e suas Tecnologias pelo IFSul-Pel.(2008). Atua como professor na rede Estadual da cidade de Cerrito e na rede municipal da cidade de Pedro Osório, Rio grande do Sul. Tem experiência nas áreas de Literatura e Formação de professores, com ênfase na articulação entre Literatura e filosofias da diferença.

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