Carta aberta à Democracia

Sad pianist from Peter Ibbetson, Etc published by J.R. Osgood & Co. (1892). Original from the British Library. Digitally enhanced by rawpixel.
Excelentíssima senhora Democracia,
Viemos através desta Carta levantar algumas questões. Antes de chegarmos a elas, cabe fazer a pergunta síntese do nosso documento: por que a Excelentíssima nos deixou, em janeiro de 2019, sumindo como pó?
Dito isto, senhora Democracia, gostaríamos de ressaltar que sua ausência em nosso território vem acarretando danos nunca relatados em nossa História contemporânea.
Iniciemos pelos acontecimentos sanitários.
Em menos de dois anos perdemos cerca de 700 mil brasileiros. Sim, e muito porque a democracia, com “d” minúsculo que por hora temos aqui, fez contrapropaganda da imunização que poderia ter poupado do fenecimento essa gigantesca leva de cidadãos. Mais: a chamada ditacracia fez pouco caso de uma pandemia, fez caixa com o sofrimento alheio, fez graça com a desgraça que assolava o país.
É verdade que se criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Porém, após semanas de febris discussões, as conclusões da CPI foram arar os campos do Nada. Não há ninguém preso, julgado, ou minimamente responsabilizado pelo genocídio.
Se a Excelentíssima senhora Democracia estivesse entre nós ocorreria um descalabro assim?
Negativo. Assim como não veríamos, dia após dia, o Executivo destelhar o teto de gastos com a sanha de quem precisa tirar uma mãe do patíbulo. Ou manipulando regras do comércio internacional, baixando o preço da gasolina e do diesel, a fórceps, a fim de encher o tanque da Situação de votos.
Seu abandono, Excelentíssima senhora, nos fere. A cada dia que passa, o brasileiro não é páreo nem para os maiores párias da civilização. Já existia uma ideia global de que o país não era sério. Hoje, inclusive com a performance hilária de nossa diplomacia, a ideia virou uma certeza. Para a comunidade internacional nem somos mais aquela república das bananas, pois a fruta mais popular do mundo está 60% mais cara do que há um ano.
E o futuro próximo, minha senhora? Dramatizarão um ataque ao desfile militar de 7 de setembro, no Rio, para simular caos e intervirem? Forjarão um novo atentado, como o do Riocentro?
Por que se foi, nossa guia, e nos deixou nas mãos dessa súcia? Podemos ser um de seus filhos caçulas, ainda engatinhando sobre o chão da liberdade, igualdade e fraternidade. Mas, pedimos encarecidamente: reconsidere. Reflita um pouco e, mais uma vez, abra suas asas sobre nós.
Ah, e quer saber, dona Democracia? Vamos de Jane e Herondy, que fica tudo mais fácil no popular:
Não se vá
Me dê uma chance outra vez
Daqui pra frente tudo vai mudar
Me dê a mão com muito amor
E nova vida vamos começar
La la la la la la la
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(Publicado originalmente no Estadão)
Sobre Carlos Castelo 49 Artigos
Jornalista, poeta, humorista profissional diplomado. Um dos criadores do grupo musical Língua de Trapo.

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