CASA E LOGRADOURO, de Aurelino Costa

 

Data de leitura:      09-07-2023 a 12-07-2023              Nome: Luísa FRESTA

Ficha de leitura

Título:                               Casa e logradouro

 

Autor:                                Aurelino Costa[1]

Editora:                             “Porto Editora ©

Coleção/ Edição:               elogio da sombra

Ano de publicação:           2023

Género literário:               Poesia

Número de páginas:        83

 

Resumo:

A coleção elogio da sombra conta já com vinte e dois títulos, incluindo Casa e logradouro. O autor, Aurelino Costa, é advogado e poeta. Não é caso único no mundo das leis: outros juristas, advogados e juízes, trilharam e continuarão, com todo o mérito, a contribuir para esta construção maleável e etérea que é a poesia, cujas normas e tendências se vão reordenando ao longo dos séculos.

António Osório de Castro, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, em Portugal, António Cândido Gonçalves Crespo, jurista e poeta do séc. XIX, Manuel António Pina, prémio Camões 2011. No Brasil, o juiz Ronaldo Tovani, os advogados Dimas Terra de Oliveira e Delasnieve Miranda Daspet de Souza. Em Angola, Manuel Rui Monteiro, Lopito Feijóo e Isabel Ferreira, são apenas alguns exemplos de juristas, advogados e juízes, gente de Leis, que a memória me trouxe ─ e as recomendações dos meus leitores-farejadores ─ entre muitos outros possíveis.

Se o termo casa remete para o universo íntimo, familiar, logradouro faz-nos pensar no exterior, no espaço público e partilhável, precisamente este onde nos encontramos, as páginas de um livro escrito meticulosamente e com uma edição muito cuidada, elegante, sedutora, desde logo pela sobriedade da capa. Não são pormenores de somenos importância: muitos leitores gostam do toque do livro, de sentir a espessura de uma capa e aferir a textura das folhas de cor sóbria e indefinida a distanciar-se discretamente do branco. Repito, tudo neste livro é pensado ao pormenor: os olhos são esfomeados de leitura, mas também gulosos de beleza.

O autor aborda temas renovados, escolhendo ângulos pessoais e arredados para nos mostrar e contar o mundo. Os textos revestem-se de uma linguagem por vezes flagrantemente sensual, onde a expressão do desejo sobressai em escrita rigorosa, masculina, racional e atenta, reinventado cada pormenor do quotidiano.

Mário Cláudio afirma, a esse propósito, na NOTA PRÉVIA:

“(…) Poeta que não fundar o seu reino condena-se a degredo sem remissão. O inventor de uma pátria, perdido embora na errância, contará sempre com a infalível bússola da alma. (…)”.

No reino (re)criado pelo autor registamos o que nos parece ser o reflexo da escuta amorosa do mundo, cândida e ativa, enfatizando, por exemplo, certa cumplicidade com a linguagem dos animais. Bichos de seda, sardões e outras vozes da natureza, do campo, longe do alcatrão da urbe e até do tempo atual.

 

 

Meu cão poeta

 

“(…) meu cão poeta sorria

com seus dentes finos

e bocejava em meu

colo acolchoado (..)”

 

P.49

E também há tempo para mencionar espaços de trabalho físico e ofícios manuais, carpintarias e açougues, a família, a mãe, as coisas triviais como refeições, em textos povoados de recordações com poesia impressa nas coisas palpáveis. Há geografias em movimento e a expetativa do mar.

No final do livro, Valter Hugo Mãe assina um texto notável, muito conciso, em jeito de posfácio, no qual se exprime assim sobre o autor e a obra:

“(…) A poesia de Aurelino Costa é braçal e tem que ver com as coisas da terra. Quero dizer, há gente, lugares, casas e bichos que nos remetem para a memória de uma sobrevivência sem máscara nem prótese (…)”.

E estas palavras resumem também a minha perceção sobre o livro, se tivesse de dizê-lo num parágrafo. Creio que Casa e logradouro é um livro para se intuir e absorver devagar, mais do que compreender. Não será, creio, do âmbito (apenas) racional, mas, sobretudo, sensitivo. Podemos apropriar-nos de certas intenções do poeta e dividirmos com ele rememorações e sentires. Mas o livro abre-se mais à aceitação espontânea do que à compreensão formal ─ e ainda menos a ser desconstruído e explicado, creio.

Nesta obra há marcas de intertextualidade e referências a outras artes, como música de câmara. O universo do autor parece também composto de mil fragmentos de leituras e vivências, reais ou irreais, não tendo necessariamente acontecido no tempo que lhe cabe viver. Há passagens que se referem à mitologia e vários textos que me convidaram a consultar fontes externas, visto terem ramificações que permitem outras tantas leituras, mais aprofundadas.

Como tenho um antigo e recorrente fascínio pelas palavras, prestei especial atenção a algumas que me eram estranhas (não precisava delas para descompreender os poemas, por isso, apenas travámos conhecimento). Saberá o leitor o que é uma saramela, uma charamela, o que significa mércia, oaristo ou, ainda, poalha? Para mim esta obra tornou-se também fonte de enriquecimento vocabular[2], permitindo-me, além disso, contemplar e ouvir as palavras pelo seu encanto intrínseco.

Termino o meu comentário com as palavras do próprio Aurelino Costa, sabendo que voltarei a este autor e a este livro (P.25):

 

na ossatura desmesurada de um cansaço

 

“(…) Poisados os ombros sobre a secretária

ainda escreves, a noite atravessa as

vidraças da casa como se quisesse

aprontar algo ao escritor (…)”

 

 

 

[1] Biografia do autor: “Aurelino Costa (Argivai, Póvoa de Varzim, 1956)
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. Exerce a advocacia. Colabora em várias publicações colectivas de literatura, desde revistas a antologias. É autor dos livros, Poesia Solar, Raiz do TempoPitões das JúniasAmónioNa Terra de GenovevaDomingo no Corpo e Gadanha, nomeado para o Prémio Autores SPA/2019, na categoria de Literatura – Melhor Livro de Poesia.
Como intérprete–dizedor de poesia, destacam-se, entre outros, os recitais-concerto levados a cabo nas várias salas de Teatro e de Associações culturais e recreativas em Portugal, bem como o realizado no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Nesta qualidade recebeu o Prémio Mineiro Poético em 2011. É autor de discografia vária, onde diz poesia portuguesa em parceria musical com o Maestro António Victorino D’Almeida. Foi narrador em Miguel Cervantes & las Músicas del Quixote, com a Hespéron XXI, sob a direcção de Jordi Savall. Tem poesia gravada na voz da soprano Arianna Savall.
É actor na longa metragem Netto e o Domador de Cavalos do realizador Tabajara Ruas, finalista do Festival de Cinema de Gramado, Brasil.
Em 2022, como poeta e dizedor, foi-lhe atribuída pelo Município da Póvoa de Varzim a Medalha de Reconhecimento Poveiro”.

Fonte: https://www.wook.pt/autor/aurelino-costa/834429/122 (também incluída na badana do livro).

[2] Quem se lembra da rúbrica “Enriqueça o Seu Vocabulário”, das famosas Seleções do Reader’s Digest?

 

 

 

Sobre Luisa Fresta 24 Artigos
Luisa Fresta Nascida em Portugal, viveu infância e adolescência em Angola. Dedica-se sobretudo à escrita, sob a forma de contos, crónicas e poemas. Escreve regularmente em vários jornais, revistas e sites. OBRAS DA AUTORA: BURRO, SIM SENHOR! (Editorial Novembro, 2021), SAPATARIA E OUTROS CAMINHOS DE PÉ POSTO (Editorial Novembro, 2021), A FABULOSA GALINHA DE ANGOLA (Editorial Novembro, 2020), MARÇO ENTRE MERIDIANOS, reedição (Livros de Ontem, 2019- Portugal) e primeira edição (MAAN, 2018 - Angola/ Prémio "Um bouquet de rosas para ti"), CONTEXTURAS (Livros de Ontem, 2017)

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