Comentários sobre o folclore joseense #7: a chuva de meteoritos

Distopia para alguns, utopia para outros. A chuva é metáfora de purificação, mudança ou obstáculo em um punhado de canções. São vários os cancionistas que pensaram na chuva: Carole King (Crying in the rain), John Lennon (Rain), Burt Bacharach (Raindrops keep falling on my head), Jorge Ben (Chove chuva), Fernando Lobo (Chuvas de verão), Raul Seixas (Medo da chuva), Rogério Skylab (Chove chuva na minha cabeça)… o tema reúne canções dos mais diversos estilos.

A minha chuva é a de meteoritos que, melhor explicados por Bolaños, na verdade não são pedras, são aerolitos. A minha chuva quer fazer sumir os fetiches elitistas da classe média babaca: as marcas, as grifes, os condomínios fechados, os pacotes de assinatura, os cartões de créditos dourados… essa é a minha utopia.

Será bonito ver os aerolitos caindo do céu e derrubando as portarias que eles construíram ao redor do Jardim Apolo. Nunca mais parar em uma guarita e repetir o CPF. Nunca mais bancar a coleta de lixo do esnobe que se enfurna entre quarteirões emparedados e cercas eletrificadas. Nunca mais ter que olhar pra ruas e ruas cercadas por muros cinzentos. Meu sonho é ver a molecada jogando bola, errando o gol e quebrando o vidro de um sobrado cafona do Bosque Imperial.

O meteorito vai para onde tem gravidade. E é grave o caso de avareza e mesquinharia desses funcionários iludidos que, de modo muito estranho, se sentem avizinhados dos verdadeiramente ricos. Veja, sou um sonhador benevolente: para a classe média “alta” (se é que isso existe), desejo apenas meteoritos. Já para os donos dos meios de produção, guilhotinas. Chuva de guilhotinas. Ou chuva de cabeças bem nascidas. Sei lá.

Os aerolitos pegarão os incautos de surpresa. Distraídos que estão com suas promoções, adulações, burocracias e pequenices, eles nunca param para olhar o céu. Eles dormem cedo e acordam antes do sol raiar. Os aerolitos destruirão seus condomínios nesse meio tempo.

Ah, vai ser legal demais. Uma grande festa junina será organizada em uma colina que antes abrigava um condomínio xexelento. Um grand rendezvous erótico e barulhento tomará de assalto um bosque que antes foi associado a um império. Surubas e bolinhos caipiras pipocarão na cidade feito micose na piscina do SESC. Um novo dia há de vir. Agora tomem este poema, que na verdade não é um poema, e sim uma letra:

Mansões, porcarias, jardins, varandas gourmet e chuva de meteoritos!
(Não são pedras, são aerolitos)
Dior, Lacoste, Montblanc, Ferrero Rocher e chuva de meteoritos!
(Não são pedras, são aerolitos)
Oh!

As coisas de valor ao meu redor são valiosas como pirulitos
Ou castelos feitos de palitos.
A vida toda me senti tão só
Agora já não estou aflito: chuva de meteoritos.

Alguém pensou que eles iam passar longe.
Alguém calculou a trajetória e tava tudo de boa.
Todos dormiram sossegados à noite.
Ninguém pôde madrugar pra ver a chuva de meteoritos!

A chuva reduziu tudo a pó, demolindo valores falidos
Felicidade à base de comprimidos.
A mulekada jogava futebol nas ruínas dos condomínios destruídos por meteoritos.

Leu a letra? Então agora escute a canção para não deixar serviço feito pela metade:

Sobre Bruno Ishisaki 7 Artigos
Cancionista e compositor de música de concerto. Doutor, Mestre e Bacharel em Música pela UNICAMP. Especialista em Composição Musical pela FMCG. Professor substituto do curso de Composição da USP. Autor de conteúdo de artes na Editora FTD. Membro das bandas Senhor Shitake e Os Joseense e do coletivo Tempo-Câmara.

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