consulta de rotina

olha, doutor, devo dizer

que o autocanibalismo tem apresentado melhoras!
a maioria das feridas tá cicatrizando bem:
eu espremo meu próprio nome, espremo a dor,
eu espremo a necessidade de ser perdoada;
eu consigo espremer até mesmo aquela velha vontade
de lamber o sangue, quando consumida por qualquer trovoada.

mas claro, doutor, também preciso confessar

que o arrependimento parece um pecado parasita!
tenho lido tanta coisa sobre bruxas cativantes (e acabei me tornando uma):
eu mato sanguessugas, mato o fogo dentro de mim,
eu mato a paixão residual que me deixou assim;
eu consigo até me matar dentro da minha imaginação
essa opção é melhor do que a real, né não?

sim, doutor, continuo capaz de admitir sinais de contorcionismo

quando meu vácuo é evacuado mas às vezes nem responde ao malabarismo!
aí a luz se torna sombra num piscar de olhos, então:
eu preencho espaços em branco, preencho o apetite,
eu preencho a vontade de olhar pro passado com linhas firmes;
eu consigo até preencher minha vergonha agressiva e privada
antes do meu corpo finalmente apodrecer, junto com essa rima datada.

então me diz, doutor, já posso parar de ser medicada?

quênia lalita
maio/2024

Sobre Quênia Lalita 17 Artigos
Quênia Lalita escreve poesia. É ilustradora, tradutora e faz revisão de textos. E mora em São José dos Campos, SP

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