conto – AD LIBERTATEM

Quando abriu os olhos, ele achou que estava sonhando, tamanha foi a sua surpresa: a porta da prisão estava aberta! Seria alguma brincadeira cruel de seus captores? Pois durante toda a sua vida, ela só era aberta quando os carcereiros vinham alimentá-lo. Nem mesmo quando se postavam diante de suas grades, para ouvir seu recital de lamentos, eles o soltavam. Aliás, nessas ocasiões em que o ouviam exteriorizar sua tristeza pela falta de liberdade, na forma de tenor, ele poderia jurar que via até admiração nos olhos dos maléficos captores… como se seu crime fosse esse, ele estava há anos privado de sua liberdade por ter uma bela voz? Isso não tinha nenhum sentido, esse pensamento absurdo tinha que ser apenas fruto de sua necessidade em saber qual crime havia cometido para ter sido jogado nessa prisão.

 Mas agora lá estava ela… aberta! Já havia algum tempo que ele ouvia estranhos rangidos nas dobradiças da porta, quando ela era manipulada pelos captores… será que ela havia quebrado? Será que suas preces por liberdade finalmente haviam sido atendidas?  Medo… e se fosse uma armadilha? E se estivessem escondidos, apenas esperando para alvejá-lo quando ele tentasse escapar? E com tantos anos vivendo atrás das grades, será que ele conseguiria se adaptar novamente a uma vida sem grilhões? Afinal, não tinha a menor ideia de como estava o mundo atualmente…

 Mas ele um dia se perdoaria se pelo menos não tentasse escapar? Sucumbir à covardia não seria ainda pior que um possível fracasso em sua tentativa de alforria? Era imperativo ao menos tentar! Ele não tinha cometido crime algum e não podia simplesmente aceitar sua prisão por pura ignávia.

 E se nenhum dos seus o acolhesse lá fora? E se ele estivesse a ponto de fugir da prisão física para cair em outra ainda pior, a prisão da funesta solidão? Não! Ele não ia desistir assim, antes de ao menos tentar!  Não iria deixar a pusilanimidade vencer! Ele então se dirigiu à porta da prisão, escancarada, como que ao mesmo tempo o convidando docemente a ir até ela, mas também o desafiando de forma jocosa a ousar tentar passar por ela. Havia chegado a hora!

 Ele então se encheu de coragem e, num salto, passou pela porta… no instante seguinte, seu instinto funcionou por puro reflexo, e ele fez o que não fazia há muitos anos… lágrimas já beijavam seu rosto, purgando sua alma de todo o sofrimento vivido em anos de cárcere. Agora o céu era o seu limite, e foi para lá que ele decidiu ir… então o padecido canário  bateu forte suas asas e se dirigiu às nuvens, sem sequer olhar para trás, deixando no esquecimento a gaiola onde havia passado quase toda a sua vida. Não mais um canário da terra, ele agora seria um canário dos céus!

DALTO FIDENCIO
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2017

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