Conto: O mistério de Elisa

Caros leitores,

A partir desta semana e durante algumas mais, vou postar um conto diferente. Ele será mais longo e por causa disso deverá ser publicado em capítulos. Espero que gostem e se divirtam. Tenho certeza que não vão conseguir adivinhar o final.

Quero aproveitar para agradecer os emails recebidos na ultima semana. Estou deveras impressionado com a quantidade. Sempre achei que tinha apenas cinco leitores sérios (aqueles de Pindamonhangaba que sempre mandam sugestões e criticas e que já nos tornamos amigos), mas vejo que existem muito mais. Agradeço a todos e desejo boas vindas ao Entrementes e a minha coluna.

O mistério de Elisa

Capitulo l

Elisa caminhou até seu carro e abriu o bagageiro. Retirou a mala de viajem e se voltou em direção ao hall do aeroporto. A porta automática se afastou à sua passagem deixando ver a multidão que se aglomerava frente ao balcão da empresa aérea. Todos falavam ao mesmo tempo e o barulho que chegava aos seus ouvidos era incompreensível. A atendente gesticulava pateticamente tentando acalmar o ânimo da turba enfurecida.

– Mais um atraso – Falou consigo mesma desgostosa.

Perscrutou o recinto preocupada. A grande aeronave da Gol surgiu no outro lado do vidro pronto para tocar o solo com suas imensas rodas negras.  Elisa atravessou a multidão e correu para a porta de saída dos passageiros, levantou a placa com o nome de João impresso e esperou impaciente.

O décimo homem surgiu, saindo do túnel e olhou a placa em sua mão, sorriu e se aproximou:

– Bom dia! Exclamou alegre.

Com o seu metro e setenta e oito, Elisa sempre se encontrava na posição de mais alta quando tinha companhia e o quase dois metros de João a agradou bastante.

– Temos que correr – olhou o relógio de pulso – espero que tenha se alimentado no avião.

– Vamos embora – ele pegou seu braço sem responder e puxou-a em direção ao outro túnel logo adiante.

– Espere! Elisa gritou se soltando bruscamente – é para este lado! – virou-se e caminhou apressada.

Seguiram em silêncio a fila de embarque e entregaram a passagem à comissária de bordo que lhes indicou o banco onde deveriam se acomodar. Sentaram-se e mais tranqüila Elisa abriu a maleta que carregava consigo, retirou alguns papeis colocando-os no colo.

– Eu sou Elisa – estendeu a mão – muito prazer. Desculpe-me a rispidez, mas não tive tempo para ser educada. Sorriu e o olhou nos olhos.

– Está desculpada – respondeu com a mesma alegria demonstrada pouco antes – e apertou a mão estendida em sua direção.

– Recebi o vídeo na segunda-feira e ainda não acredito que seja verdadeiro. O que você acha?

– Fiz todos os testes, como você sugeriu, e não me pareceu ser nenhuma fraude. Mesmo assim só terei certeza quando puder vê-lo pessoalmente. Alguém mais está sabendo disso? A imprensa foi informada?

– Não! Só o reitor, ele precisava autorizar. A imprensa não pode saber de nada por enquanto.

– Eu não avisei ninguém, estava para sair de licença e aproveitei… Estou por minha conta.

– Espero que não estejamos perdendo tempo… O pessoal burocrático, da minha universidade, são muito chatos com relação a gastos em pesquisa.

– Sei como é isso, tento não incomodar os meus quando posso.

– Elisa sorriu concordando, abaixou o olhar para o colo, pegou uma das fotos e lhe mostrou.

– É incrível a coloração do material. Percebe-se, mesmo com as possíveis falhas da maquina fotográfica, que o material é atípico. Vê essa curva?

De repente ficou em silêncio, empalideceu e as mãos tremeram imperceptivelmente. Intrigado João levantou o olhar:

– O que foi?

– Não tinha reparado nessa pessoa – apontou o dedo para o rapaz parado ao lado de uma árvore, ao fundo, olhando-a como se a visse.

– É meu irmão! Pelo menos se parece bastante com ele.

– Tem certeza?

– Não sei… É muito parecido! Mas não pode ser. Ele faleceu em meados de março e o vídeo tem apenas uma semana.

João pegou a foto e se concentrou na imagem. O homem estava em pé e olhava fixamente para a máquina fotográfica, direto no obturador. Teve a impressão que ele o enxergava. Virou-a constrangido.

– Como você conseguiu o vídeo?

– Eu não lhe contei? – Enxugou os olhos com o lenço oferecido por seu colega; Aa lembrança de seu irmão ainda era uma dor insuportável – recebi na universidade junto com outras correspondências. Estava dirigida a mim e não achei nem um pouco estranho, até ver as primeiras imagens.

– E o remetente, Já o conhecia? – Fazia perguntas tentando tirá-la daquele estado de espírito.

– Não. Nunca ouvira falar nele… Bom, na verdade, há alguns anos passei minhas férias no sitio de uma amiga de escola, fica na mesma cidade. Estava no segundo grau. Faz bastante tempo… Dez anos mais ou menos.

– E sua amiga? Tentou entrar em contato com ela?

– Tentei, mas não consegui. Ninguém a conhece. É como se nunca tivesse existido.

– Tentou entrar em contato com o remetente?

– Como informei no nosso primeiro contato, só por email. Todas as informações que tenho ou são através do vídeo ou por email. Por isso é importante nossa viagem. Ver o local, pesquisar a redondeza, falar com outras pessoas é imprescindível… E urgente!

Elisa deitou a cabeça no encosto da poltrona e virou-se para a janela. O sol no horizonte se aprontava para mais um turno: iluminar o outro lado do planeta. A coloração amarela avermelhado da atmosfera era aconchegante. Fechou os olhos e projetou seu pensamento naquele verão quando tinha apenas dezesseis anos. Ouviu a voz de Margot próxima ao seu rosto no sótão da casa, no sitio em Albuquerque: “Eles moram no centro da terra. São tão brancos que parecem que vão quebrar”. O susto a fez estremecer e apertar o braço de João.

– O que foi? Está se sentindo bem?

– Não sei. Estou confusa acho que é a altura.

– Tente dormir um pouco, temos ainda duas horas de vôo pela frente.

A aeronave pousou com um leve solavanco, taxiou e estacionou no local adequado à saída confortável dos passageiros. João com a bagagem de Elisa e a sua nas mãos atravessou o salão e minutos depois ambos estavam no taxi a caminho do hotel, que fora reservado com antecedência.

Registraram-se e combinaram se encontrar antes das dez no pequeno restaurante. João apontou em sua direção e Elisa pode vê-lo na penumbra, no final do corredor, com o único casal sentado a mesa saboreando um aperitivo.

Subiram os dois andares no elevador antiquado e cada um foi para seu quarto, disposto um ao lado do outro.

João esperara meia hora antes de vê-la surgir radiante com seu vestido de noite. Estava alegre, bem desperta e rescendia a flores do campo. Sentou-se sem esperar convite e pegou o cardápio largado no centro da mesa.

– Quer tomar alguma coisa? O conhaque está muito bom…

– Quero um Martini. O que você pediu para comer?

– Nada ainda, o que sugere?

– Vamos ver… A pasta me parece boa o que acha?

– Elisa! Elisa Duprat! É a senhorita Elisa Duprat? O garçom surgiu na porta gritando seu nome.

– Sim, sou eu!

– Telefone para a senhorita no balcão de registro.

– Obrigada!

– Um momentinho só João, deve ser da universidade.

Levantou-se e se dirigiu ao hall de entrada, Pegou o telefone em cima do balcão e se voltou, num reflexo para fugir da curiosidade do porteiro. Antes de se apresentar algo chamou sua atenção: alguém a espiava através do vidro, na rua mal iluminada.

– MARGOT! Gritou e correu em sua direção. Pode ver a pessoa se afastar rapidamente e sumir na escuridão da noite.

Abriu a porta e saiu para a calçada – não havia ninguém. Subiu e desceu a rua várias vezes, circundou as árvores, mas não conseguiu encontrá-la. Voltou para dentro chateada e se dirigiu ao balcão. Segurou o fone pronta para pedir desculpas ao reitor, caso não houvesse desistido de esperar:

– Alô!

– Elisa! Sou eu Margot! Volte para casa, O fio de Ariadne está quebrado… É muito perigoso, tudo pode desmoronar a qualquer momento. Volte para casa! – a voz do outro lado era urgente, sentiu medo.

– Como?! O que você quer dizer com isso? O que é o fio de Ariadne? Onde você está? Quero vê-la! Alô! Alô! Margot! – ouviu o click do outro lado.

Elisa largou o telefone, trêmula. Virou-se e quase se chocou com João.

-Era Margot minha amiga desaparecida. Surgiu na porta e não consegui retê-la… Depois estava ao telefone…

Articulou nervosa respirando com dificuldade.

– O que ela queria?

– Não entendi direito. Coisas sem nexo… Não entendi.

– Venha! Vamos nos sentar à mesa, quem sabe ela volta ligar.

Pegou-a pela mão e a levou como sonâmbula, puxou a cadeira para que sentasse e voltou ao seu lugar.

– Tome seu Martini. Vai se sentir melhor.

Segurou o copo com as mãos trêmulas, respirou fundo e virou o líquido de uma vez, enchendo a boca e engolindo rapidamente. Estava pálida e sentia vontade de chorar.

– O que está acontecendo, João? Porque ela disse aquelas coisas?

– disse?

– Não entendi direito. Falou algo sobre fio de Ariadne, sabe o que significa isso?

– Fio de Ariadne?

– Tem o da mitologia… O Teseu e o Minotauro…  Lembra?

– Mas não deve ser isso…

– O que ela disse exatamente?

– Parece alguma coisa sobre o fio de Ariadne estar quebrado… Não entendi direito. Ela desligou logo.

Olhou para um ponto além, percebia-se o esforço em sua expressão.

– Ah! Ela falou que era perigoso ficar aqui. Era para eu voltar para casa… Estou com medo, João.

A reunião, diferente de como começara, perdera a alegria inicial. Jantaram em silêncio, cada um perdido em seu próprio pensamento. Recolheram-se aos quartos, estavam cansados e esperavam que uma boa noite de sono os deixassem mais perceptivos.  João a deixou frente à porta beijou seu rosto e se afastou preocupado.

A noite fora longa cheia de pesadelos, mas finalmente amanhecera, faltavam alguns minutos para seis. Elisa ouviu os chilreios dos pássaros antes mesmo de abrir os olhos.  Entre todos os sons do amanhecer este era o que mais gostava. Levantou-se e foi à janela olhar o tempo – outra coisa que se acostumara fazer, não sabia por que, mas que lhe dava uma sensação de alivio chovesse ou fizesse sol – lembrou-se do telefonema e seu coração disparou como um alerta.

A batida na porta a pegou sentada na cama tentando decifrar os acontecimentos do dia anterior. Com muito custo saiu do estado hipnótico que se encontrava e foi atendê-la. A visão de João trouxe um pouco de alivio ao seu espírito perturbado.

– O café está posto. Vamos?

– Bom dia para você também – tentou brincar

Desceram ao saguão e passaram para o restaurante. Estava cheio de hóspede e precisaram entrar na fila para se servirem no bufê disposto no centro do salão. Dirigiram-se a mesa de canto e se sentaram de costas para os demais observando o jardim.

– Fiz uma pesquisa ontem a noite com o programa que desenvolvemos para catalogar materiais e descobri algumas coisas bem interessantes. Você sabe que não tive tempo para mais nada a não ser descobrir se o vídeo era verdadeiro ou apenas mais uma fraude de tantas que recebemos diariamente. Por isso trouxe o notebook e estou conectado direto com o main frame da universidade.

– O que você descobriu? Elisa o olhou espantada parando o garfo a meio caminho da boca.

– O material lembra teia de aranha pela espessura o que, aliás, pode ser. Mas não é de nenhuma aranha conhecida, portanto pode não ser. A curva que você me mostrou com sua coloração peculiar a deixa fora de qualquer comparação, mas preciso confirmar porque acho que é sintético.  Além de que, seria muito interessante termos descoberto uma aranha artista… Porque a imagem é, como direi… Pura arte.

– Não brinca com isso, meu amigo. Percebeu como desaparece ao toque? Como um material sintético consegue desaparecer ao menor contato? E caiu do céu em pleno dia de sol…

– É, e naquele horário nenhum avião passara por ali, o que, aliás, não é rota costumeira nem mesmo para avião militar. Mas não sabemos se caiu do céu realmente. Não temos nenhuma prova de sua origem.

– É verdade. Vamos esperar para conversar com o remetente – Elisa olhou o relógio de pulso – já deve estar chegando por aí. Espero que ele tenha as respostas que procuramos.

– Tem mais uma coisa! O terreno onde encontraram o material é a cratera de um antigo vulcão extinto a milhares de anos. Segundo informação do pessoal da geologia existe um estudo afirmando que aquela região é oca. Inclusive sempre foi cercada por acontecimentos misteriosos. Antes do descobrimento do Brasil, os índios que viviam naquela região consideravam um lugar sagrado – um portal para o mundo dos deuses, ou alguma coisa assim. Existem estudos incompletos de várias ciências: paleontologia, geologia, arqueologia mineralogia, etc. – Todo mundo já estudou o local, mas não existe nada conclusivo. É muito estranho.

– Qual sua opinião a respeito?

– Sinceramente? Não sei. Existem muitas histórias. Na década de quarenta uma equipe de paleontólogos esteve fazendo pesquisa no local e depois de meses sem mandar notícias o chefe da expedição aparecera inesperadamente no meio acadêmico contando histórias sobre um povo desconhecido com uma tecnologia superior a nossa. Ninguém acreditou. A mulher de um dos pesquisadores o processou por assassinato e pouco antes do julgamento ele desapareceu. Ninguém mais o viu desde então.

– Sou uma engenheira, João, sou cética em relação a quase tudo. Preciso de provas. Foi por isso que consegui meu cargo de pesquisadora na universidade. Meu ceticismo foi o requisito mais importante para a contratação… Claro que fiquei sabendo disso somente depois de meses trabalhando na instituição, mas quero que saiba que sem provas tudo pra mim é fantasia, ficção científica.

– Não estou dizendo que acredito nessas histórias. Estou relatando os fatos, nada mais que isso…

Elisa levantou-se e se postou frente a janela. Encostou a testa no vidro e observou os transeuntes atravessarem a calçada se dirigindo ao centro da cidade. Não sabia o que pensar: Porque mandaram o vídeo para ela?  Não cansava de se perguntar. E o homem em pé sob a árvore era mesmo seu irmão? Mas se era seu irmão, quando foi que ele esteve no local? O remetente dissera que o vídeo fora filmado poucas horas antes… No máximo setenta e duas horas. Como pode ser ele se fora a seu enterro. Vira-o no caixão. Beijara seu rosto momentos antes de ser fechado. E o cientista desaparecido antes do julgamento? Para onde fora?

– Oh Deus! Exclamou alto chamando a atenção de João.

– O que foi?  Está se sentindo bem?

– Estou bem. Somente preocupada com as novas noticias de sua pesquisa. Está tomando um rumo inesperado…

– Não devemos nos basear em nada do que foi feito. Devemos começar do principio e tirar nossa conclusão.

– É! Sem nenhum tipo de preconceito…

– Bom dia!

Virou-se de imediato ao ouvir o cumprimento e olhou espantada para o homem com mais ou menos quarenta anos de idade parado na sua frente. Sua altura quase a fez rir, era um anão, não tinha mais que um metro e trinta de altura. Sua voz grossa e forte criava uma sensação estranha ao ouvinte. Sentia-se num palco conversando com o boneco do ventríloquo.

 

Sobre Quênia Lalita 434 Artigos
Quênia Lalita escreve poesia. É ilustradora, tradutora e faz revisão de textos. E mora em São José dos Campos, SP

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