Dick Tracy, derrapando no narcisismo

Dick Tracy, derrapando no narcisismo

Por Jorge Hata*

“Chamando Dick Tracy!” – A frase, bastante popular nos anos trinta e quarenta, tornou-se moda novamente com o lançamento de mais uma adaptação cinematográfica das aventuras do enigmático detetive criado por Chester Gould, agora revivido na figura de Warren Beatty. Mas antes de falar no filme, é necessário um pouco de história.
As histórias em quadrinhos surgiram nos Estados Unidos em 1.895, com heróis tipicamente infantis. Os mais populares eram Yellow Kid, Buster, e a dupla Hans e Fritz, os “Sobrinhos do Capitão”. A maturidade dos comics surgiu com um acontecimento histórico de extrema importância, o “crak” da Bolsa de Nova York, em 1.929. Com a chegada da “Grande Depressão”, o show business passou a ter fundamental importância para o cidadão americano. Todas as formas de arte passaram a ser consumidas com avidez, entre elas as histórias em quadrinhos e o Cinema passou-se então, a aliar essas duas forças, com resultados, no mínimo surpreendentes para a época. As tiras de jornais eram invadidas por tipos mais “adultos” como Buck Rogers, Flash Gordon, Brick Bradford, Mandrake, Fantasma Voador e outros. Detetives também surgiram, como o Agente Secreto X-9 e Dick Tracy. Tracy nasceu da mente criadora de Chester Gould, em 1.931. Surgiu como justiceiro, combatendo o crime organizado em Chicago. Seus grandes inimigos eram, embora estilizados, Al Capone, Bonnie & Clide, Scarface e Dillinger. O mais curioso é que em suas primeiras histórias, Dick Tracy tinha o nome de Plainclothes Tracy. Por sorte o editor do “Detroit Mirror”, o primeiro jornal a publicar as histórias do detetive, convenceu Chester Gould a trocar o nome.
Algumas particularidades logo chamaram a atenção sobre a soturna figura de Dick Tracy. Para a época em que foi concebido, usava engenhocas inimagináveis, como o relógio inter-comunicador. Outros aspectos;- exibia invejável condicionamento físico, enfrentava vilões com os rostos deformados e ele próprio tinha um rosto anguloso, desprovido de qualquer traço de beleza ou simpatia. Aliás, quando Gould criou Tracy, de certa forma trouxe à cena um robô, uma vez que o detetive não tinha qualquer emoção. Era um ser frio, racional, extremamente calculista, daqueles que não se arriscam por hipótese nenhuma.

DAS TIRAS PARA AS TELAS:- O sucesso de Dick Tracy foi tão grande, que como não podia deixar de ser, ele logo foi levado para o cinema. Em 1.937, a Republic Pictures lançou o primeiro seriado, em quinze episódios com o herói chamado “Dick Tracy”, tendo Ralph Byrd à frente do elenco. Várias outras se seguiram, com grande sucesso. Em 1.945, a produção dos seriados passou para a RKO, sendo que, em alguns deles até Boris Karloff participou como um dos vilões. Nos anos cinquenta, Tracy se transformou em série de TV, ainda com Ralph Byrd. A UPA, reprodutora de desenhos animados de Mr. Magoo, também fez história de animação com o detetive. Depois disso, Dick Tracy só voltou às telas nesta nova produção da Touchstone Pictures. O novo filme tem aspectos bastante interessantes e outros nem tanto, Warren Beatty sempre tentou firmar uma imagem de garotão, atleta, herói, sedutor irressitível, as poucas vezes saiu-se bem da empreitada. Seu maior sucesso comercial até hoje foi “O Céu pode esperar” (Heaven Can Wait – 1.978). Em tempos de cinema sério, Beatty foi feliz em “Reds” (1.980). Depois só fracassos, entre eles “Ishitar”, que quase levou a Columbia Pictures à falência. Em “Dick Tracy”, Beatty não convence, simplesmente por um motivo: – ele não é bom ator. Seu desempenho é apenas mediano. Em todas as sequências ele é invariavelmente deixado em segundo plano pelos outros atores, todos com rendimento extremamente superior.

O principal vilão do filme é Al “Big Boy” Caprice, uma composição magistral de Al Pacino. Depois de sucessos como “Todos os Homens do Presidente”, “Sérpico” e “Um Dia de Cão”, Pacino andou meio desaparecido das telas. Retornou em “Vitimas de Uma Paixão” (“Sea of Love”- 1.989) de maneira arrasadora, mas provou que continua o mesmo bom ator em “Dick Tracy”. No filme, ele tenta eliminar Tracy a qualquer custo, para dominar o comércio do jogo e das bebidas em plena Chicago da “Lei Seca”. A cantora do cabaré de Caprice, Breathless Mahoney é interpretada por Madonna. Como sempre, a “Material Girl” faz o gênero “femme fatale”, mas desta vez não consegue arrancar mais do que alguns suspiros dos mais afoitos. Sua personagem tem importância na trama, como que tenta seduzir o incorruptível mocinho. – chega-se a duvidar da masculinidade de Beatty/Tracy, devido a falta de reação em determinadas situações – e cresce de intensidade no final do filme, mas Madonna não ajuda. Ela decididamente não sabe interpretar. Só se sai bem cantando. Afinal, era o mínimo que se poderia esperar de uma cantora.

Charlie Korsmo vive “The Kid”, o garoto ridiculamente batizado como “Júnior” o aliado-mirim de Tracy, que sempre está por perto para ajudar seu amigo detetive em situações de perigo. O garoto é bom, tem futuro no cinema. Gloene Headly vive “Tess Trueheart”, a boa mocinha do filme. Entre os vilões, destaca-se Flattop, rebatizado com “Cabeça Chata”, vivido por William Forsythe.
“88 Teclas”, o pianista do night club de Big Boy Caprice e que acaba dando uma tremenda ajuda a Dick Tracy. Mas o melhor de tudo é mesmo Mumbles, um pobre bandido de fala enrolada e que acaba prestando informações valiosíssimas para Tracy. Em meteóricas aparições, ele literalmente “rouba” a cena. interpretado pelo ator Dustin Hoffman. Dick Tracy, se não é o superespetáculo que a mídia preconizou, não chega a decepcionar. É um bom trabalho de produção, mas peca em alguns pontos fundamentais. Se vierem continuações, o que fatalmente deverá acontecer espera-se que essas falhas sejam corrigidas.

*JORGE HATA
HISTORIADOR E COLUNISTA na HATA QUADRINHOS

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