Entre o riso e a lágrima

Entre o riso e a lágrima

Depois de quase trinta anos de casamento, Paulinho e Verônica concluíram que a relação conjugal já se esgotara. Era  fim de linha. Não dava mais. Ele ainda relutava em aceitar a realidade, mas ela, convicta,  havia decidido: iriam se separar. Cada um pro seu canto, continuariam amigos, afinal , constituíram uma família, filhos, netos.

Na iminência da legalização da separação, Paulinho ainda fez uma última tentativa de salvar o casamento. Sairia em férias e ficaria uns vinte dias em retiro espiritual numa comunidade mística no interior de Goiás. Quem sabe, em meio a meditações, mantras, banhos de descarrego e outras práticas espirituais, novas ideias iluminariam seu espírito. Talvez uma visão renovada do casamento, uma mudança radical de atitude, e a união do casal estaria salva. Com o coração esperançoso viajou para o Planalto Central. Ele não conhecia aquela  frase do Grouxo Marx advertindo que o matrimônio é a principal causa do divórcio.

Retornou vinte dias depois , bem no dia de seu aniversário.  Vale lembrar que durante muitos anos Verônica sempre o homenageava carinhosamente naquela data com um jantar especial. Jantar à luz de velas, cardápio  requintado, vinho importado, tudo muito romântico. Essas coisas…

Paulinho chegou de viagem bem na hora do jantar. Ela o cumprimentou secamente e ele logo se dirigiu   à mesa aguardando a ceia. Percebeu algo estranho no ar. Ao contrário dos anos anteriores, ela não se produzira para aquele momento.  Vestia-se  de uma forma muito desleixada.

Verônica voltou da cozinha com o jantar do Paulinho: um PF, ou seja, um prato feito, com arroz  , feijão e um ovo frito mal passado. Bebida ? Sim, limonada adoçada com açúcar cristal. Era o que planejara para acabar com tudo ali mesmo. Adeus casamento.

Quando Paulinho viu aquilo seus olhos brilharam de tanta felicidade. Agarrou  Verônica e entre beijos e abraços, confessou-lhe emocionado: – querida, nosso casamento está salvo. Era tudo o que eu desejava. Aprendi lá na comunidade mística que a felicidade se encontra na singeleza da vida. São essas coisas e atitudes simples  que a tornam  prazerosa e digna de ser vivida. Enfim, você entendeu isso. Veja o milagre que um ovo frito pode fazer. Ele simboliza a salvação do nosso casamento.

Verônica ficou pasma com tudo aquilo. De avental, sandálias havaianas e bobs nos cabelos, saiu pela porta da frente e nunca mais retornou. Ninguém jamais soube de seu paradeiro. Desapareceu. Sumiu.

O ódio e o amor são paixões recíprocas. Foi o que Gabriel Garcia Marquez escreveu em Crônica de uma Morte Anunciada. Ao Paulinho faltou entender que entre o riso e a lágrima há apenas o nariz.

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 191 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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