Esperança perdida

Por Milton T. Mendonça

O sino da igreja bateu meia noite. A cidade dormia tranquila sob o céu estrelado. Da janela de seu quarto dava para ver a praça arborizada, os bancos brancos de encosto de madeira e alguns cachorros, que se reuniam para passar a noite. Peixoto estava insone, brigara com sua esperança. A última imaginara ao conhecê-la na reunião literária. Agora, depois de quase meio ano voltara a estaca zero. Mulheres! Pensou angustiado com o olhar perdido nas lembranças. O que fizera de errado? .
“Não!” – falou alto quebrando o silêncio – não fora ele o responsável pelo afastamento. Tivera azar. Não soube avaliar corretamente e encontrara – de novo – uma mulher manipuladora. Porque foi isso que o decepcionara. Seu imenso ego não a deixara ser conquistada – Pensou com tristeza. Teria que se sujeitar e isso era impossível.

Estava triste aquela noite. Muito mais do que gostaria de admitir. Afastou-se da janela e já a estava fechando quando a luz forte o cegou por um momento antes de se fixar na parede ao fundo. O carro estacionou do outro lado da praça e pode ver uma mulher descer com um saco à mão e se dirigir aos cães. Seguiu seus movimentos, curioso, e percebeu quando ela atirou algo. Ao vê-la, os cachorros correram ao seu encontro como se a esperassem. Percebeu o alvoroço da disputa, o saco vazio depois de algum tempo, e o espalhar satisfeito dos animais pela redondeza.

A princípio não acreditou. Impossível uma mulher se deslocar no meio da madrugada para alimentar qualquer coisa. Definitivamente não fazia parte do caráter feminino. Saiu à varanda e, determinado, atravessou a praça.
– Boa noite! – cumprimentou ao se aproximar.
– Boa noite. – a moça respondeu cautelosa.
– Alimentando os cães?! – perguntou sem preâmbulo impressionado com sua beleza selvagem.
– Estou de viagem marcada para o exterior, geladeira cheia de carne, sabe como é, só estou aproveitando. Gosto de cachorros, você não?!
– Gosto! Mas não sairia de madrugada para alimenta-los – sorriu constrangido.
-Tudo na vida é uma questão de necessidade, meu caro. Falta-me tempo.
-È!
Peixoto ficou observando o cachorro próximo mastigar furiosamente o último pedaço de carne preso ao dente.
– Preciso ir – ela falou de repente. Levantou-se e encaminhou apressada para o veículo.
– Boa noite! – Despediu-se sem esperar resposta. Entrou no carro e partiu célere.

Peixoto ficou observando, perplexo, o cão que mastigava. Do canto da boca, o dedo, ainda com a aliança, se agarrava aos caninos pedindo socorro.

2017

Sobre Quênia Lalita 434 Artigos
Quênia Lalita escreve poesia. É ilustradora, tradutora e faz revisão de textos. E mora em São José dos Campos, SP

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