Fuga por Alexandre Lúcio Fernandes

Existe um toque crônico que desajusta a engenharia interna. Fagulhas que machucam o selo humano, uma fuga desprendida que guarnece um rol de imaginações. Tensão que cimenta decisões impensáveis, falas abruptas e suposições desenfreadas. São sinuosos gestos que decapitam sentimentos, composturas inertes de quem não busca aprofundar nas questões mais íntimas e mais reais. A fuga é quando se assusta sem conhecer o que dá medo, que sente sem debulhar a terra fértil que há por trás da cerca; sem triscar o solo úmido, encharcado pela chuva das belezas que ornamentam o ambiente. Falta um toque para interligar, que preencha mais a alma com a sede de viver o risco que é buscar a felicidade.

A alma capota em escuridões, bolhas que prendem os pensamentos em uma intervenção muda, silente, fundamentada no receio de proximidade. É um desnorteio que desconhece a teia da motivação, que crê em suas texturas colhidas em um superficial olhar, em uma não usual compreensão, delito de quem se abraça em seus próprios medos, na conjuntura nervosa provinda de negras experiências. Espanta-se no menor movimento do vento, e os pés se firmam no solo mais próximo e firme. Há mais negror do que se é possível explicar, mais atos profundos de difícil discernimento. Existem raízes densas que talvez expliquem esse detalhe atemorizante, um ato fugidio pelo amanhã, pela dor de viver.

O que encontrar em olhos que trepidam, mas que ancoram um brilho único? Como despertar esse apetite para o amor, maior abertura para a vida, e um convite eficaz para o sorriso sem presilhas? Como evitar a fuga? Turvas são as soluções que desanuviam em opacas neblinas e nos permite impulsionar presos olhares. É mais que um entroncamento que prende, é um tremor que impacta e reclusa os pés, encarcerando a essência que tanto almeja voar. A pior fuga é aquela inerte, que desemboca em um tropeço para trás, que tranca a caminhada e declina, pula e interrompe o trajeto sem conhecê-lo, estreitando-o como um beco sem saída. Falta honestidade e entrega, além de um braço arregaçado pronto para encarar. Falta e entronização com o caráter humano, o limite mais terno que palpita.

Enfileiradas ficam as experiências mais amargas, aquelas que debruçam prisões e barreiras quase intransponíveis. Delas nascem cortinas de ferro, julgamentos apressados e olhares atormentados com receios de um amanhã incerto. Nascem apelos francos de quem se imagina vítima de uma visão etérea do futuro. Diante das escolhas, o aperto fúnebre acolhe, retrai qualquer coragem brotada. Ressoam os gritos mudos e amedrontados, ensurdecedores e agonizantes. E assim corpo reage e se retira. É um inimigo quase inconsciente e translúcido. A fuga é um descontrole que se incide por alguma aversão, pelo temor de que traumas se repitam; é quando não se permite abrir os olhos para viver o dia na sua totalidade, achando precipitadamente que ele findará em dor.

Para certos tipos de feridas, vencer é uma longa trilha a ser desbravada. Sendo a fuga do desconhecido e o medo pelo porvir, a reação mais espontânea de quem muito já sofreu e ainda permanece atrás das grades da dor…

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