Hoje, tal como ontem

Hoje, tal como ontem

Manhã chuvosa de sábado. Aproveito para ler e revisitar alguns de meus autores preferidos. Gosto de reler alguns parágrafos
sublinhados em leituras passadas e refletir sobre eles.

Tenho em mãos “Infância”, de Graciliano Ramos, publicado em1945. Destaquei alguns parágrafos:

“Ofereceram a meu pai o emprego de juiz substituto e ele o aceitou sem nenhum escrúpulo. Nada percebia de lei, possuía conhecimentos gerais precários. Mas estava aparentado com senhores de engenho, votava na chapa do governo, merecia confiança do chefe político e achou-se capaz de julgar”.

“Naquele tempo, e depois, os cargos se davam a sequazes dóceis, perfeitamente cegos. Isto convinha à justiça. Necessário
absolver amigos, condenar inimigos, sem o que a máquina eleitoral emperraria”.

“Os magistrados de anel e carta diligenciavam acomodar-se, encolher-se, faziam vista grossa a muita bandalheira. De repente
acuavam, tinham melindres que o mandão local não entendia e lançava à conta da má vontade. E lá vinham rixas, viagens rápidas, afrontas, um libelo contestado a punhal ou cacete. Subsistia o Juiz de Direito, que ordinariamente se ausentava da comarca”.

“Foi assim que meu pai recebeu um título e suportou a alegria ruidosa do preto José Luis, que , aos sábados, da sala à cozinha, ria, gritava, dançava, entusiasmado: – Cadê o nosso juíz substituto?”

“Não havia motivo para júbilo. Conservo dessa autoridade uma recordação lastimosa”.

Coincidência ou não, no dia de hoje Câmara Federal e Senado elegerão seus presidentes e mesas diretoras. As notícias vindas
de Brasília dão conta de que os partidos “já se compuseram”, com os “acordos” de sempre. Apadrinhamentos, um carguinho
aqui, uma emendinha ali, um ministério acolá, de repente até pecúnia entra na conversa, afinal ninguém é de ferro.

Nosso país avançou, modernizou-se, não é o mesmo dos tempos de Graciliano. Mas os costumes e práticas políticas pouco se
alteraram. Apenas se sofisticaram. E, segue a vida…

Por Gilberto Silos

Loading

Sobre Gilberto Silos 250 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

1 Comentário

  1. É meu caro Gilberto, só muda o cenário, a história continua a mesma. Um mundo sem conserto com concertos.

Deixe uma resposta