“Imagine”, num vagão de metrô

A makeshift peace sign of flowers lies on top John Lennon’s “Strawberry Fields” memorial in New York’s Central Park, Wednesday Dec. 7, 2005. The memorial is near the Dakota building where Lennon, a former member of the Beatles, lived with his wife Yoko Ono and son Sean when he was murdered outside the building. Thursday is the 25th anniversary of his death. (AP Photo/Bebeto Matthews)

 

“Imagine”, num vagão de metrô

Manhã muito fria de sábado. Vindo do Guarujá, desembarquei no Jabaquara e peguei o metrô rumo ao Terminal Tietê. Na próxima estação embarcou um jovem de cabelos compridos, meio desalinhados, trajando vestes muito simples. Agasalhado com uma blusa moletom já meio surrada, trazia uma enorme mochila nas costas.  Em dado momento, abriu a mochila e dela retirou uma viola pequena e uma diminuta caixa de som. Ligou o instrumento à caixa e começou a dedilhar e cantar em inglês o “Imagine”, de John Lennon.

Confesso que fiquei muito impressionado com a autenticidade emotiva daquela  interpretação. Sentado numa poltrona muito próxima, puxei conversa e ouvi um pouco de sua história de vida.

Filho de pais outrora  abastados, de uma cidade do interior paulista, revelou, em poucas palavras, a dor que lhe causava a família ter perdido todos os seus bens. E, para piorar a situação, os  pais  acabaram se separando. O pai, até então um comerciante respeitado, foi vítima  da crise econômica que o País atravessa. Sem poder pagar as dívidas, perdeu tudo o que possuía, tendo de amargar uma terrível penúria.

Ele, o jovem, foi obrigado a abandonar a faculdade de arquitetura. Decidiu por o pé na estrada e tentar a sorte em São Paulo.

Na Capital, tentou, mas não conseguiu emprego. Sem dinheiro, deixou a pensão onde se hospedara e acabou ficando várias semanas na rua.

Certo dia, perambulando pelo Viaduto do Chá, encontrou um conterrâneo que, condoído, se dispôs a alojá-lo temporariamente em sua quitinete. Sorte sua, que nos bons tempos aprendera a tocar violão e até arriscava-se a cantar. O amigo lhe conseguiu uma viola já usada, dessas parecidas com a viola caipira e uma caixa de som, portátil. Foi o suficiente para que  ele passasse a tocar e a cantar nas praças e nos vagões do metrô. Isso lhe possibilitava ganhar um dinheirinho que, mesmo precariamente, garantia-lhe a sobrevivência.

Curioso, perguntei-lhe porque só tocava uma única música, “Imagine”.  Ele me revelou que aquilo funcionava como uma panaceia emocional a exorcizar-lhe as mágoas e frustrações, além de  lhe dar um alento para  continuar a viver e tentar sair daquela situação desesperadora.

A composição já se aproximava da Estação Tietê, quando me despedi e lhe ofereci uma pequena ajuda. Ele seguiu seu caminho e eu, já saindo do trem, ainda podia ouvir:

“Imagine there´s no heaven 

It´s easy if you try   

No hell below us                                                 

Above us only sky                                                 

Imagine all … ”               

Por onde andará aquele rapaz ? Nem lhe perguntei o seu nome.

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 192 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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