Internet

Por Milton T. Mendonça

Recebera o e-mail pela primeira vez no final da noite, início da madrugada. Era sábado e não fizera nada naquele final de semana prolongado de 7 de setembro. Seu marido viajara para a África havia dois meses e seu passatempo se tornara então, somente a internet.

Ela relera a mensagem muitas vezes, tentando reconhecer o estilo do amigo virtual.
Desconfiara que era um trote. Mesmo assim, resolvera responder.

Seu estilo demonstrara ser um pouco mais infantil que o normal, mas era impressionante como os usuários tinham uma certa tendência de baixar o nível quando escreviam na Internet. Ela mesma já percebera que seus textos caíam de qualidade quando a conversa era informal. Respondera com certa relutância e esperara a resposta sem muita ansiedade. Sabia que nas próximas vinte e quatro horas ele não responderia. Era o protocolo.

Passara o domingo pesquisando um trabalho urgente. Quando entrara no seu provedor, após o jantar, lá estava ele novamente. O texto curto, comentara sobre a temperatura e perguntara sua idade, onde morava, estado civil, e toda aquela baboseira comum em início de relacionamento. Respondera procurando não mentir. Coisa que considerava imperdoável, mesmo naquela condição. Mentira virtual, sempre dissera ao marido, é falta de caráter.

No dia seguinte e nos próximos, a mensagem sempre chegara entre dez da noite e duas da madrugada. Conforme o tempo fora passando, a conversa mudara radicalmente. De infantil passara a suportável e, no momento seguinte, conversaram com uma erudição jamais imaginada. Viu-se superada até mesmo em sua profissão. Assunto que se considerava uma especialista.

A conversa pulara da Poesia contemporânea para filosofia Kantiana com uma facilidade que a deixara desconcertada. Falaram sobre teatro, música, história da arte e religião como se o novo amigo tivesse vivido na época das personagens. Levantara questões impensáveis, esclarecera fatos nebulosos com inteligência e conhecimento de causa.

A espera pelo próximo e-mail passara ser o sentido de sua vida. Esperava com ansiedade a resposta do seu, a partir daquele momento, melhor amigo.

À medida que se conheciam melhor, a conversa ficara mais íntima e, após alguns meses, ela estava apaixonada.

O primeiro convite chegara num dia especialmente triste, uma amiga querida morrera de morte misteriosa, a polícia fora chamada e estava confusa. A morta fora encontrada em sua cama exangue. A porta e as janelas não foram arrombadas, ninguém sabia o que fazer.

Apesar da tristeza, ou talvez, por causa disso mesmo, ela resolvera não aceitar.
A partir daquele momento, o tempo começara a correr. Ele mandara fotos suas e da casa, uma mansão barroca incrustada num morro à beira mar. Ficara muito impressionada.
Enviara uma foto de corpo inteiro numa pose sensual, a pedido dele, o que a deixara extremamente ansiosa.

O e-mail seguinte chegara repleto de palavras doces. Cheio de pedido de encontros furtivos. Resistira com bravura, mas em vão, num belo dia, semanas depois, aceitara se encontrar com ele na cidade vizinha, longe de olhares indiscretos.

O dia do encontro fora infernal. O cabeleireiro e a manicura tiveram que suportar, estoicamente, seu mau humor. Finalmente, depois de grande aflição, estava a caminho.

Pegara o ônibus fora da rodoviária para evitar conhecidos. Com a capa sobre o vestido, para esconder de um possível observador o caráter de sua aventura, descera ofegante no local combinado.

A Mercedes negra a esperava. O chofer, ao vê-la, descera rapidamente do carro e a conduzira, abrindo a porta com uma cortesia elegante. Sorrira encantada ao se sentar ao lado de seu anfitrião. Sentiu o toque suave dos lábios gelados ao ser beijada no rosto. Sentira um arrepio.

Rodaram por ruas estreitas e arborizadas. Deixados na porta do restaurante, foram recebidos pelo maitre e conduzidos a uma mesa discreta.

Comeram pratos à base de carne, sem qualquer tipo de vegetal. O dele cru, sanguinolento. O dela, bem passado.

Conversaram como velhos amigos. O champanha retirara de sua consciência todo pudor, a deixando ruborizada pelo desejo. Ele fora educado, gentil, sedutor, mas nada tentara. A princípio ficara decepcionada, depois, agradecida.

Após o jantar, ele a deixara próximo ao prédio onde morava. Despediram-se e ela correra para casa se sentindo maravilhosa, relaxada, feliz.

A madrugada já avançara noite adentro quando a campainha a despertara urgente. Pensara no marido. O seu retorno já não tão esperado a deixara tensa e mal humorada. Levantara, cobrira sua nudez e se arrumara para recebê-lo. Caminhara apressada em direção à porta de entrada. Antes de abri-la olhara pelo olho mágico, e o viu.

Ele estava parado com um grande ramalhete de rosas vermelhas nas mãos e um sorriso encantador nos lábios grossos e sensuais. Seu coração quase parara ao vê-lo ali em pé.

Um pensamento passara rapidamente pela sua cabeça: “Como conseguira entrar, preciso reclamar com o síndico”

Mas, apesar da dúvida, seu coração se iluminara fazendo com que abrisse a porta. Recebera-o, o puxando pelas mãos com grande prazer. Tomara-o nos braços e, rapidamente ele enterrou os caninos em sua jugular a fazendo gemer baixinho. Sugara-a até que não restasse uma só gota de sangue em seu corpo jovem e voluptuoso. Lambera os lábios, sorrira e a pegara no colo, levando para o quarto onde a deixara como se dormisse, na cama.

Algumas semanas mais tarde os jornais estamparam na primeira página: Vampiro procura vítimas na lista de endereços de provedor da internet.

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