MULHERES DE MARÇO – de Carlota de Barros

Data de leitura:                                               20-03-2025                             Nome: Luísa FRESTA

Ficha de leitura

Título:                                      MULHERES DE MARÇO

Autor:                                       Carlota de Barros[1]

Editora:                                    ROSA DE PORCELANA Editora ©

Coleção/ Edição:

Ano de publicação:                 2025

Género literário:                      Poesia

Número de páginas:               203

 

Resumo: Excertos do prefácio da obra, lidos no dia do lançamento, a 20/03/2025, sob a violência da tempestade Martinho, no Grémio Literário de Lisboa.

“(…) O novo livro de Carlota de Barros é uma espécie de catarse, de cicatrização ou pacificação interior, um reacender e apagar intermitente de vários focos de incêndio: poesia cromática e sensorial, um poemário entretecido com textos em prosa, que por vezes assume o tom de ensaio autobiográfico ou de livro de memórias. Assemelha-se a uma convalescença espiritual, um caminho de pedras ardentes que os pés mal conseguem tocar, quando se avista já o verde-azul da água.

MULHERES DE MARÇO é um livro onde todas as palavras são fragmentos coloridos, com brilho e luz. O azul reina sobre os silêncios e os sonhos, as lagoas, deita-se sob o céu e navega por rios diversamente azuis e ondulados mares turquesa.

O leitor encontrará nesta obra diversas alusões a outros autores e obras: Herberto Helder, Carlos Drummond de Andrade, Eugénio de Andrade, Paul Éluard, Sophia, Rimbaud, Shakespeare e Romeu e Julieta, um excerto de Pessoa (ortónimo) e ainda uma referência explícita a José Mauro de Vasconcelos e O Meu Pé de Laranja Lima.  Começa, pois, desde cedo, a desenhar-se uma relação dialógica explícita ou implícita, configurando um envolvente padrão intertextual. Assistimos ainda a um processo autotextual, o qual, através de reescrituras, nos traz à memória Na Pedra do Tempo e Sol de Infância – Memórias das macias manhãs solares.

A obra inclui ainda diversas epígrafes/citações de outras poetas de língua portuguesa, suas amigas, como Regina Correia, Madalena Brito Neves, Vera Duarte, Dina Salústio, Lúcia Saraiva, Raquel Duarte, Teresa Noronha, Sibila Aguiar, Elsi do Carmo e eu própria, pelo que a entendemos também como um hino à poesia e à amizade, simultaneamente. Alguns textos, que testemunham a nossa cumplicidade na poesia, migraram para MULHERES DE MARÇO, onde introduzem outros tantos poemas de Carlota de Barros, que com eles interagem silenciosamente. Seremos, pois, todas, Filhas de Março, em rituais poéticos de proximidade e amadurecimento.

Por estas páginas percorremos variadas geografias, que fazem parte do ADN cultural da autora. Parte das suas vivências está espelhada nesses locais que nomeia: Brava/ Fajã d’Água/     Vila Nova de Sintra/ Fogo/ Mar da Preguiça, em S. Nicolau/ Tarrafal/ Mindelo/ Montes Libombos.

Os temas correspondem à voz poética da autora: a paixão e o romance, sensualidade, feminilidade ou doçura. Mas sobretudo a figura da Mãe, do Pai, os irmãos ou as alegrias da paternidade. Evoca amiúde membros da família, reacende memórias, dialoga com aqueles que são importantes e que foram partindo, das casas, da vida, um a um.

Carlota exalta ainda a inocência infantil, a natureza – para viver e contemplar – a chuva, a primavera. Outrossim, sobressaem versos sobre o silêncio e o envelhecimento, assim como a noção de liberdade. Nesta teia de textos díspares, porém unos, graças a invisíveis fios subliminares, estão também poemas narrativos, por assim dizer, e textos-homenagem a figuras marcantes da cultura, como Cesária Évora.

A autora refere-se, por outro lado, ao desencanto perante a desumanidade do mundo, as guerras e a pobreza, o caráter visceralmente predador e individualista dos seres humanos. Não obstante, demonstra uma fé inabalável na capacidade de regeneração.

O sujeito lírico, a narradora destas relembranças, emoções e enredos poéticos, confessa-se “náufraga de um navio sem rumo”. Observa-se ainda uma exaltação da cabo-verdianidade dirigida aos descendentes de emigrantes, evocando a ideia de nação e reforçando a consciência cidadã, fundada nas raízes culturais, que transcende as fronteiras geográficas. Uma “Exaltação quase vulcânica” na superfície das palavras, “Escaldante como as lavas do teu vulcão”.

MULHERES DE MARÇO assemelha-se pois a um manifesto pela tolerância (espelhada através da astuciosa malha de poemas e prosa poética). A atmosfera é a mesma, mas a diferença na forma imprime diferentes ritmos de leitura. Textos como VIVER A VIDA, A NOSSA ESSÊNCIA NÃO MUDA, SERMOS NÓS PRÓPRIOS, AQUELA MÚSICA, OUTRAS ALVORADAS e CANÇÕES DE AMOR corporizam pensamentos, divagações, elucubrações e reflexões, de uma forma quase pueril e bucólica.

Alguns poemas falam da própria poesia, remetem para o ato de escrever, numa abordagem metatextual (ou hipertextual).  Acresce que a autora evidencia preferências lexicais e temáticas, palavras de estimação: o beijo, a Lua e também flores, muitas flores! …flores com aroma, cor e textura, quase sempre ligadas à memória da Mãe. Essa Mãe cuja juventude é comparada com a madurez da autora: há um ponto em que filha e Mãe se encontram, no caráter etéreo e eterno da Mãe e nas metamorfoses da filha. O eu-lírico confunde-se com a própria autora, neste ensaio poético florido. “Escrevo sobre os meus estados de alma”, confidencia Carlota aos leitores.

Recorda diálogos antigos com a Mãe, a infância, como era vista pelos outros, o nominho e Cabo Verde – um passado sempre presente. As casas e as gavetas: dir-se-ia que são também casas em movimento, abrigos, esconderijos…Carlota fala-nos de cheiros e sensações, porque a sua poesia é eminentemente emocional, poesia para mastigar, sorver, ouvir e dedilhar…

Na prosa ou na poesia, Carlota é poema, lirismo, sensibilidade e escuta, usando palavras transumantes que fervilham e eclodem na palma da mão.

Adivinha-se que esta obra venha aproximá-la ainda mais dos seus leitores tradicionais e incondicionais e conquistar outros espaços entre os leitores de língua portuguesa, dos mais jovens aos mais maduros. A poesia está em festa em MULHERES DE MARÇO. Mesmo quando é triste, com sombras e notas de melancolia, apresenta-se-nos límpida e luminosa(…)”.

[1] Biografia da autora: “ Carlota de Barros Fermino Areal Alves nasceu na ilha do Fogo, em Cabo Verde a 24 de janeiro, de 1942. Partiu em 1950 para Moçambique com a família, ao encontro do pai, onde viveu por 7 anos, tendo regressado para Lisboa em 1957. É licenciada em Filologia Germânica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1967, já casada, vai, de Angola, onde esteve com o marido 8 meses, para Cabo Verde. Foi professora, no Externato de S. Nicolau, o qual ajudou o marido, Abílio José Areal Alves, a fundar, e em S. Vicente, no Liceu Gil Eanes. Em 1974 regressa a Lisboa, onde lecionou em vários Liceus, Escolas Secundárias e Preparatórias, até 2003, ano em que se aposentou. Tem publicado os livros de poesia: A Ternura da Água; A Minha Alma Corre em Silêncio, Sonho Sonhado (versões em língua portuguesa e trilingue: português, cabo-verdiano e inglês) e Na Pedra do Tempo. É autora do livro de contos Os Lírios da Memória, e dos romances Luna – A Noite de Todos os Dias e Sol de Infância, publicado pela Rosa de Porcelana Editora. É membro da Academia Cabo-Verdiana de Letras, da Sociedade Cabo-verdiana de Autores, Sociedade Portuguesa de Autores e do Círculo de Escritores Moçambicanos da Diáspora.”

Fonte: https://www.wook.pt/autor/carlota-de-barros/3541791?srsltid=AfmBOopW05VKi5ncSrWcjw0QO91Vk-WejU3IL_Z4n71flzoTLXucaCO7

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Sobre Luisa Fresta 32 Artigos
Luísa Fresta, portuguesa e angolana, viveu a maior parte da sua juventude em Angola, país com o qual mantém laços familiares e culturais; reside em Portugal desde 1993. Desde 2012 assina crónicas e artigos de opinião em jornais culturais, revistas e blogues de Angola, Portugal e Brasil, essencialmente sobre livros e cinema africano francófono e lusófono. Esporadicamente publicou em sites ou portais culturais de outros países como Moçambique, Cabo Verde e Senegal. Em 2021 e 2022 traduziu O HOMEM ENCURRALADO e ESPLANADA DO TEMPO, ambos do poeta brasileiro Germano Xavier (edição bilingue português-francês/Penalux). Em 2022 ilustrou o poemário infantojuvenil DOUTRINA DOS PITÓS, do poeta angolano Lopito Feijóo (Editorial Novembro). Desde 2020 mantém um grupo virtual intitulado ESCOLA FECHADA/ MENTE ABERTA, criado no início da pandemia, destinado a divulgar literatura infantojuvenil e artes plásticas, nomeadamente ilustração, com especial incidência no universo lusófono e francófono. O principal objetivo é consolidar os hábitos de leitura das crianças, estimular a leitura em família e o gosto pelo desenho; e aproximar escritores e ilustradores de leitores e da comunidade escolar. Tem textos dispersos por antologias, alguns dos quais integraram projetos pro bono, e outros premiados em Portugal e no Brasil, desde 1998; assim como um livro de poesia vencedor do prémio literário Um Bouquet de Rosas Para Ti, em Angola, atribuído pelo Memorial António Agostinho Neto (2018). Curiosidade: o poema Casa Materna, que dá título ao livro (originalmente designado por Casa ambulante), foi distinguido com o 2º prémio de poesia internacional Conexão Literária (Câmara Municipal de Divinópolis/Brasil) quando a obra já se encontrava em processo de edição. OBRAS DA AUTORA: Contexturas (contos, baseados em quadros de Armanda Alves, coautora), Livros de Ontem, 2017; Março entre meridianos (poesia, 1º prémio “Um Bouquet de Rosas para Ti”), MAAN, 2018; Março entre meridianos (reedição), Livros de Ontem, 2019; A Fabulosa Galinha de Angola (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2020; Sapataria e outros caminhos de pé posto (contos), Editorial Novembro, 2021; Burro, Sim Senhor! (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2021; Casa Materna (poesia), Editorial Novembro, 2023; A Idade da Memória (infantojuvenil, contos inspirados na poesia de Agostinho Neto. Coautora: Domingas Monte; ilustrações: Júlio Pinto), Mayamba Editora, 2023; No País das Tropelias e Desventuras (Coleção Capitão/ infantojuvenil), Editorial Novembro, 2024.

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