O poder do amor

Por Milton T. Mendonça

O prédio era daqueles compridos, um apartamento por andar, moderno e luxuoso, no centro de um imenso jardim com todo tipo de flores e arvores. Jovino era o jardineiro que, perdido no meio de suas plantas, vivia sonhando com a morena que vez ou outra descia à piscina, tirava o roupão, e com seu minúsculo biquíni azul se deitava para tomar sol, em uma das inúmeras espreguiçadeiras ao redor. Não sabia seu nome, não sabia onde morava e nunca a vira de perto. Mas de onde estava podia vê-la quando atravessava o saguão. Nessas ocasiões, corria para o ponto mais próximo da piscina que podia ficar sem ser percebido. Via quando atravessava a porta de vidro, soltava os cabelos e descia as escadas com seu andar sensual, degrau a degrau, olhando para os lados, como se procurasse algo.

Jovino ficava tenso. Seu coração disparava feito um pônei nas pradarias míticas do Valhala. O corpo todo acordava e seus sentidos se fixavam na mulher enquanto descia gingando, se postando sempre no mesmo local, a beira da piscina. Como um ritual, se abaixava e tocava a água com suas pequeninas mãos. Satisfeita com a temperatura, se espreguiçava, retirava lentamente o roupão deixando à mostra um corpo perfeito. Deitava-se de costas e, relaxada, permitia ao sol acaricia-la, enchendo de ciúmes o pobre jardineiro que espreitava.

Estes eram os únicos momentos felizes na vida de Jovino. Ali, olhando aquela mulher, uma sensação de poder enchia sua alma o fazendo acreditar que tudo poderia ser diferente. E com essa certeza no coração, um dia elaborou um plano:

Voltou a estudar. E após três anos de sacrifícios, com a vida voltada apenas para aqueles momentos, quando finalmente podia se rivalizar com o sol e ver de perto a linda moça de biquíni azul, formou-se com láurea.

Era finalmente um paisagista!

Mais algum tempo e fora promovido. Contratou um novo jardineiro, se libertando do serviço braçal. Conseguiu projetos em outros edifícios e quando já contava com inúmeros clientes, montou sua própria empresa.

Diariamente, repleto de esperança, comparecia ao antigo jardim e ficava absorto como se orasse, olhando para o local onde a moça deveria estar. Sentia-se renovado quando a porta de vidro se abria e a via descer as escadas, degrau a degrau, gingando seu corpo pra lá e pra cá.

Finalmente um dia, retirando coragem do fundo do coração saiu de seu esconderijo e ficou a espera. No primeiro dia ela não apareceu. No segundo e no terceiro também não. Mas no dia que a viu descer as escadas, correu e a cercou trêmulo. Lívido e gaguejando a convidou para sair. Ela o olhou de cima abaixo e com a voz cantada respondeu irônica:
“Não costumo aceitar cliente onde moro. Farei uma exceção para você! Mas quero deixar avisado que cobro caro, ouviu?!”

2017

Sobre Quênia Lalita 434 Artigos
Quênia Lalita escreve poesia. É ilustradora, tradutora e faz revisão de textos. E mora em São José dos Campos, SP

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