O Segundo Filho Pródigo

O Segundo Filho Pródigo

The Return of the Prodigal Son, c. 1669, Rembrandt Van Rijn

Dois jovens solitários seguiam por uma íngreme estrada. Caminhavam em sentido contrário. Um descia rápido e sorridente rumo à planície que se descortinava lá de cima. O outro, rosto grave e sofrido, subia lentamente a encosta em direção ao cume. Num determinado ponto do caminho eles se encontraram e logo se reconheceram:

-Você é o meu irmão mais velho, que nos deixou há alguns anos e não deu  mais notícias. Nosso pai, angustiado, aguarda o seu retorno.

– É justamente o que estou fazendo, regressando à casa paterna. E você, por que desce a montanha?

– Mesmo contra a vontade do nosso pai, resolvi partir. Pedi-lhe a liberação da herança que me é de direito. Cá estou em busca de minha independência. Quero eu mesmo cuidar de minha vida. De posse de meus bens vou viver na planície onde, por certo, não faltarão oportunidades de enriquecimento e momentos de prazer. E você, por que a deixou?

– Lá só ganhei experiências. Cheguei empolgado com tantas atrações. Com elas gastei todas as minhas posses. Acabei na mais atroz miséria. Tive que ganhar o pão com o suor do meu rosto. Trabalhei para vários senhores, num momento de grande crise que assolou aquela terra. Caí na mais profunda degradação quando, sem alimento, fui obrigado a comer os restos que eram dados aos porcos.  Foi preciso conhecer o pior dos infernos para me lembrar da casa paterna, onde era tratado como um príncipe. Decidi regressar. Vou implorar ao nosso pai que me aceite de volta, mesmo que na condição de um humilde servo.

O irmão mais jovem, impressionado com aquela narrativa, perguntou:

– Mas, de nada lhe valeram todos aqueles anos na planície? Nenhum ganho? Nada compensou tanto sofrimento?

O outro, respondeu com muita convicção:

– Adquiri extraordinárias experiências com aquelas duras lições. Cresci interiormente. Conquistei minha maturidade espiritual. Agora subo a montanha despojado de tudo, mas sinto a alma mais leve. Perdi minhas posses e parte de minha mocidade, mas ganhei a mim mesmo. Descobri  minha verdadeira identidade, quem EU SOU  realmente. Minha vida, desde a partida da casa de nosso pai, os acontecimentos na planície e o meu regresso, são uma simbologia, uma metáfora. Talvez até um arquétipo.  Representam não apenas minha existência insignificante, mas uma verdade cósmica infinitamente maior.

– Francamente, meu irmão, não consigo entender o que está querendo me dizer com tudo isso -, interrompeu o mais novo.

-Vou tentar ser mais claro:

– Na casa paterna tudo era perfeito. A vida era uma sinfonia de paz. Mas eu não estava satisfeito. Resolvi seguir meu próprio caminho e conhecer os segredos do mundo. Minha partida simboliza o abandono de uma Totalidade Original, de um estado de inocência paradisíaca. Eu a rompi pela necessidade de seguir um caminho de realização própria. Aceitei o risco de me perder e me identificar com tudo aquilo que não faz parte intrínseca de minha essência espiritual. Foi o que aconteceu. A planície simboliza um plano de limitações e dores. Foi a lição que aprendi. Volto agora à casa paterna, com  outro estado de consciência. Reconheço-me como um indivíduo separado, mas parte integrante, consciente e harmonizado com a Unidade Macrocósmica. Agora sei que “Eu e o Pai somos UM”.

– Continuo a não entender absolutamente nada.

– Não se preocupe com isso, meu irmão. Tudo virá no tempo certo. Siga  seu caminho. A jornada vai ser longa.

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 192 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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