Poesia é produto

 

Poesia é produto

O que é a poesia se não um receptáculo de nós mesmos? Um insano projeto de nos autoafirmar como benevolentes diante da vida que é parte da poesia, veja só. A vida como parte da poesia e não o contrário.
O que é o texto poético se não um memorial de um alguém? Ainda que, de um alguém que não escreve, que não sente absolutamente nada do que escreve, mas escrever é justamente representar, os anseios do outro, as dores do outro, enfim, o outro.
Quem é, portanto, o poeta? Como ele surgiu, como evoluiu? Há evolução? O poeta é no máximo um transportador, sim, um ser que “carrega’’, um porta-bandeira.
Não sei ao certo se a poesia é um estado de espírito, como dizem por aí. E se for apenas uma técnica? Apenas? Como se fosse simples exercê-la, usá-la, manipulá-la. É claro que é uma técnica, como qualquer outra, mas com um certo tom de primitivismo. Dirão que estou errado, não darei importância.
A poesia precisa ser “construída”, meus caros, necessariamente construída, como uma casa, uma rua, um açude, uma calçada. Poesia é construção. E mais do que isto.

Poesia é um produto. O poema é um objeto, vendável. A gente paga por este produto e o toma para si, exerce poder sobre o objeto comprado, mas este costuma escapulir dos nossos domínios.
O poeta austríaco Rainer Maria Rilke escreveu: “os versos não são como se acredita, sentimentos apenas (estes nós os temos em demasia) são experiências profundas.” Que experiências profundas são essas? Como se materializam essas experiências? Quem executa esse processo? Como se dá esse processo? Essa profundidade não é tão somente uma construção? Uma materialização de algo que se torna um objeto, um produto derivado de uma matéria?
Bem, temos agora mais um escândalo. A poesia também é matéria.
Profunda. Obtida através das experiências. E experimentações? E experimentações! Como bem definiu Oswald de Andrade, “é a descoberta / Das coisas que nunca vi”. É algo grosseiramente novo, empírico.
O papel é o chão da poesia, assim como a voz sempre foi o tapete que coube a si, desde os primórdios. É também a embalagem que sustenta o produto, o receptáculo das experiências.
A poesia é também um processo doloroso, assim como um parto (de preferência cesariana), ao menos nisto os homens podem parir. Parir num submundo, clandestino, onde impera toda sorte de dor e beleza.
Pego-me pensando se realmente Agostinho de Hipona não estava certo ao dizer que a poesia é “o vinho do Diabo” que fascina, encanta, prende e convence, para depois sufocar, amarrar-nos aos seus pés, nos lançar em abismos, para depois resgatar-nos.
Não há salvação. O produto poético exerce uma espécie de domínio. Há uma necessidade de dominar-se.

Bruno Cena Macedo

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