Que tal um pastel, um caldo de cana e a inexistência por toda a eternidade?

 

Que tal um pastel, um caldo de cana e a inexistência por toda a eternidade? #TBT

“Eu vou, eu vou vender a minha van

Eu vou, eu vou vender a minha van

Eu vou, eu vou vender a minha, vender a minha van, minha vã filosofia” (Zeca Baleiro)

Bom mesmo é comer pastel na feira, com aquele caldo de cana puro bem geladinho. Mas bom, bom mesmo de verdade é tomar caldo de cana à beira das estradas, aquelas tão distantes, intermináveis, quando o sol frita nossos miolos, desmiolando nossas entranhas. Então, num tédio e sono das retas, subidas e descidas, você tem aquela miragem real…Na beira do barranco uma perua velha, com o peculiar barulho da “moenda” a destilar a bebida dos deuses. Você toma o caldo da cana, saboreando rapadura, tudo isso por conta do cheiro que nos entontece. Penso que caldo de cana é meio alucinógeno – para algumas pessoas, é claro! Tudo depende do temperamento.

Quando tomo um copo de garapa, é assim que eu costumo chamar o suco da cana. Era assim no Paraná quando estávamos todos no engenho a moer cana. A minha família fazia melado e rapadura, por isso que gosto de açúcar mascavo até hoje, mas nunca encontrei igual aquele da minha infância. Esses, que compro nas sofisticadas casas de produtos naturais, são muito artificiais.

Mas, voltando ao assunto, foi no meio de um canavial que tive uma grandiosa experiência, espera, não é o que estão pensando – apenas uma profunda reflexão, uma análise apurada da minha existência. Foi no meio de um canavial, chupando cana, que “lembrei” o quanto era chato ser banal e quanto seria profundo não existir eternamente.

 

Ser e Existir

Eu chupava cana e pensava em como viver era tão pouco. Tão pouco estar ali sem eira e nem beira, onde o único sentido era chupar uma cana e de vez em quando assoviar. Ainda era pouco, coisas tão doces, para neutralizar as amarguras humanas, que destilam na tela da inconsciência desvairada.

Foi ali que decidi: vou viver para inexistir! Inexistir tão completamente que nem as cinzas pudessem voar por ai. No meio do canavial, constatei a lei de Lavoisier sem mesmo conhece-lo, chegando a conclusão da inutilidade da minha existência. Não conhecia Drummond ainda e já achava a vida besta. Mais tarde, ao ler sua poesia, me identificava e chorava à noite ouvindo Chopin, como consolo.

Foi tomando caldo de cana que conheci Sartre e achei simpático existir primeiro para depois ser alguma coisa. Ser para depois existir me assustou e me fez acordar de um sono pesado, sem sonhos lúcidos. Foi então que comecei a misturar melado, rapadura, garapa, ser e existir numa panela de ferro. E até hoje estou tentando a receita louca desse Elixir da Inexistência.

Essa vida é tão longa e eterna, não acham?

Elizabeth de Souza

2017

Sobre Elizabeth Souza 408 Artigos
Elizabeth de Souza é coordenadora e editora do Portal Entrementes....

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