Relações Perigosas

Aos dezoito anos, todos os homens da minha época tinham o coração dentro do bolso das calças, junto com carteira, o pente, o lenço, e outras necessidades urgentes. Aos dezoito anos, os caras da minha idade traziam consigo apenas coisas que pudessem ser de utilidade: não traziam celulares, drops ultra fortes para sexo oral, cartelas de camisinhas perfumadas e outras quinquilharias. Acredito que éramos mais práticos, ou ao menos tínhamos outros interesses, digamos menos interesseiros.

Na época dos meus dezoito anos, muitos de nós trazíamos livros nas mãos e discos debaixo do braço, que líamos e ouvíamos e discutíamos, acreditando em verdades escritas e cantadas por pessoas em quem acreditávamos. E muitos de nós, também e incluindo a mim mesmo, tinham cadernos e canetas, e escreviam poesia, que acreditávamos serem nossas verdades, mas que eram de fato as daqueles que acreditávamos serem donos da verdade. Éramos todos deslumbrados com nossas maioridades legais, e nossas possibilidades futuras, que nem sabíamos que elas terminariam tão depressa que nem teríamos tempo de tirar as coisas que tínhamos dentro dos bolsos, incluindo o coração.

E não foi tanto tempo depois desses meus dezoito anos que a conheci. Não lembro se era bonita, nem se era alta ou baixa, gorda ou magra, branca ou negra, apenas lembro que casei com ela e daí, logo depois, tinha um par de filhos. Disso eu lembro. E lembro também que ela nunca aceitou beijo na boca e nunca me fez sexo oral. Lembro-me do rabo dela e que ela me deixou fazer anal uma única vez. Da buceta? Ah, acho que era legal. Só sei que tivemos dois filhos, que nem sei onde estão, e ela também, não sei se morreu, virou puta ou pastora evangélica, ou todas essas coisas. Não me interesso por nada disso.

Aos quarenta anos, todos os homens da minha idade tinham se separado de suas primeiras esposas e tinham saído em busca de bucetas mais jovens, mas eu ainda esperei chegar aos cinquenta. E não tinha mais o coração, nem pente, nem carteira e muito menos lenço, no bolso das calças. Eram coisas que tinham caído de moda, e agora eu também tinha um celular e drops de hortelã, além das camisinhas. Quem sabe uma hora eu precisaria dessas coisas. Nunca precisei. As mulheres queriam foder por cima e eu era muito frágil para aguentar aquelas bundas malhadas em academias esmagando minhas bolas.

Quando chegam aos cinquenta, todos os homens da minha época se tornam gordos e carecas, com trabalhos bem remunerados ou empresas particulares, mas não eu, eu não, mesmo. Eu ainda era magro e fraco, mas ainda tinha cabelos. Sempre gostei de quebrar regras. E todos aqueles caras tinham amantes caras enquanto eu tinha apenas a minha mão. Era interessante, pois com ela não eram precisos os drops e os celulares, nem mesmo a carteira e o coração. Só os dedos, mesmo. E eu durante anos a conheci tão intimamente que quase a chamei de esposa. Aprendemos tanto um com o outro que podíamos saber nossos desejos sem precisar falar.

Aos sessenta, todos os homens da minha época ainda usam calças com bolsos, mas não carregam mais carteiras, nem pentes, nem lenços, apenas enfiam nele sua mão e dali podem, discretamente, acariciar seus paus sem que ninguém perceba essa perigosa relação.

26/05/2019

Créditos da Imagem: Vitor Antunes – Mão no Bolso

Sobre Fernando Selmer 12 Artigos
Fernando Selmer é escritor, silk maker e artista visual. Mora em São José dos Campos

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