
“Nós, mulheres, estamos sempre sob a sombra da lâmina: impedidas de viver enquanto novas, acusadas de não morrer quando já velhas.”
Mia Couto, “A Varanda do Frangipani”
«Mille et un je» [de Mariem Mint Derwich; textos que dão voz ao silêncios femininos]
“(…) Muitos dos seus poemas foram sendo veiculados anonimamente ao longo do tempo através do seu blogue, segundo a própria, até ao dia em que resolveu assumir a sua autoria e a sua “maternidade”. São textos densos e vivazes que carregam memórias e fraturas impossíveis de ignorar, sempre na perspetiva feminina e dando voz àquelas que a não têm, embora seja “por Elas” e “para Elas” que nascem estes textos, ora em prosa, ora em poesia, nos quais todas as Mauritânias e todas as Mulheres estão representadas em fragmentos de discurso poético e retratos de vivências transversais.
Mariem Mint Derwich é fruto de uma bela amálgama de culturas, de exílios – termo e conceito omnipresente na sua obra – e de uma capacidade invulgar de fazer a síntese de todas as suas influências e integrar no seu dia-a-dia o melhor de cada mundo que lhe foi dado observar e viver, construindo um território de paz, de reflexão e diálogo ecuménico, cívico e político (intercultural e transgeracional) acessível a todos os seus leitores e leitoras.
Em «Mille et un je» todas as Mulheres têm… todas temos um espaço. As mauritanas, bem entendido; mas, muito para além das mulheres do seu país, Mariem estabelece laços intangíveis com todas as outras: as que vivemos, as que sentimos, as que calamos ou consentimos, as que não têm opção, as que foram objeto da escolha de terceiros.
A nossa voz é ouvida e ampliada, percetível, envolvida numa roupagem poética tecida persistentemente através das memórias cruzadas de mulheres e meninas num universo em que os seus desejos e as suas opiniões são frequentemente ignorados, escamoteados. Mulheres que se movem como nuvens, pequenos fantasmas sem consistência nem cheiro, que se atravessam como se atravessa o vento. Nesta obra a autora reivindica uma expressão feminina sem hastear bandeiras panfletárias, aponta caminhos, desvenda mistérios e desejos, desmistifica tabus.
E essas mulheres, reveladas por Mariem, tornam-se furacão, turbilhões e tornados, tempestades tropicais e vendavais. Elas deixam de ser invisíveis no momento em que as suas vozes se unem numa espiral de rebeldia e exprimem desejo, reclamam espaço e terra fértil para se semearem e se perpetuarem em outras dimensões e com outra amplitude.
Mariem divide o seu livro em vários capítulos e, como num jogo de espelhos em movimento, a figura feminina desdobra-se e multiplica-se: Je/Tu/Elles/Nous. Ela fala na primeira pessoa mas também reclama a presença do “outro” chamando-o a atuar como ouvinte e como refletor da sua própria identidade, um destinatário que parece nem escutar, que resvala pela indiferença, confrontado com um diálogo incómodo ou sentido como invasivo, que é, na verdade um monólogo, mas também uma oração de revolta e de amor. Mas o que querem afinal, as Mulheres, quando os seus sonhos nascem com asas cortadas? (…)”
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