Superfície – Capítulo 4

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Por Milton T. Mendonça

Superfície – Capítulo 4

– Como a senhora percebeu que algo estava errado biselisa?

– Alguém tentara se comunicar com a terra e o teor da mensagem era muito estranho. Recebera a transcrição em meu alojamento no final do primeiro período. Um e-mail fora enviado com a seguinte mensagem: Energia limpa sem custo. Petróleo fora de questão.

– Sentira um arrepio ao me deparar com o texto. Nosso medo se confirmava os homens de negro estavam se movimentando.

– Homens de negro biselisa? Quem são eles?

– Esse era o nome ao qual batizamos nossos inimigos. Nossa função não era apenas administrativa seu bisavô e eu tínhamos a responsabilidade de encontrar os homens de negro.

– Durante milênios essa súcia combateu a cidade subterrânea.  Quando nosso povo entregou o segredo da metalurgia ao homem no inicio dos tempos como agradecimento por ter nos ajudado vencer a morte prematura – o que consideramos nossa primeira intervenção tecnológica com intenção de ajudar a evolução do povo da superfície – nasceu junto com ela uma sociedade secreta muito poderosa com o único propósito de controlar o conhecimento e através dele controlar o poder.

– Ao longo da história humana estiveram presentes como senhores feudais, aristocratas, industriais, banqueiros… Clérigos… Quando eles tomam o poder a humanidade retrocede e o povo sofre…. Mas sempre estivemos atentos criamos nosso grupo também.

– Como chama o nosso grupo bisa? – Muai perguntou.

– Tivemos muitos nomes. Cada época renascia com um novo nome para fugir de seus espiões… Hoje se chama homens da caverna, mas já se chamou templários, rosa cruz… Entre muitos outros. Nosso inimigo também mudou de nome muitas vezes, mas para nós sempre foram os homens de negro.

– A senhora os encontrou lá?

– Naquele momento a vantagem era nossa porque estávamos entregando muita informação desconhecida pelos homens da superfície e o lado escuro da lua é um ponto cego para qualquer tipo de comunicação. Era impossível contatar a terra sem nossa autorização. Sabíamos que os pegaríamos se estivessem lá.

– Não entendo bisa, eles conheciam a cidade subterrânea antes de todo o mundo?

– Não. Eles também não nos conheciam somente nós a eles. Tínhamos nossos guerreiros na forma que expliquei: Uma sociedade secreta ativa e combativa. Todos sabiam que eles atacariam somente não sabíamos onde ou quando.  O e-mail foi uma ofensiva dos homens de negro contra as mudanças. Pelo cronograma a primeira palestra fora sobre energia limpa: Fissão a frio, bateria de nêutrons, hidrogênio entre outras. O petróleo seria descartado como energia. A previsão era seu uso apenas na manufatura de material não ferroso como os polímeros ou então para fabricação de remédios ou qualquer outra coisa, mas não como energia. Isso queria dizer que as ações das grandes companhias petrolíferas, elétricas, e muitas outras dependentes dessas tecnologias cairiam ao mínimo levando muita gente a falência… Seria o fim da economia. Os pessimistas de plantão esperavam o momento certo para espalhar o caos e seriam usados pelos homens de negro.

– Então quando li aquele e-mail sabia que eles estavam lá e tentariam sabotar nosso projeto. Se eles eram da corja do petróleo podíamos ter certeza que a caterva das indústrias farmacêuticas também estava lá. Era somente uma questão de tempo até eles aparecerem para reivindicar o direito de explorar a doença do mundo.

– Toda mudança requer sacrifícios mesmo quando é conseqüência de um milagre. E para os olhos de muitos aquele momento fora milagroso. O homem da superfície recebera de presente centenas de invenções que ajudariam na melhora de vida de toda população do planeta sem desembolsar um centavo. Nossa tecnologia chegaria ao consumidor final sem o ônus da pesquisa e nem de qualquer outro. Mas em contrapartida mudaria a estrutura social. Aqueles que estavam por cima seriam deslocados de sua posição e ninguém queria ceder seu lugar – a possibilidade de uma guerra silenciosa era uma realidade e o primeiro tiro fora disparado com aquele e-mail.

– Fora um momento bastante tenso. A rainha estava na mira dos homens de negro e se a deixássemos sem proteção o rei seria o próximo a cair. Os inimigos estavam dentro do castelo o cheque mate se desenhava no horizonte urgia fazer algo. Descobrir os responsáveis pelo       e-mail no meio de quase dez mil pessoas inocentes seria fácil. Nossa esfinge era a guerra… Como evitar derramarmos sangue de pessoas inocentes – o que nos tornaria inimigos do povo da superfície.  Ou descobríamos a charada ou seríamos devorados e nosso povo extinto. Esse era o dilema.

– Porque não destruíram os homens de negro? Resolveria o problema não é?

– Esse pensamento simplista é que é destrutivo, meu querido. Nada se resolve com a destruição… Da destruição nasce a resistência… Nasce o novo… E é sempre contrário ao antigo.

– Lembro-me que pedira aos técnicos para segurar o e-mail por quarenta e oito horas. Quem quer que o tenha enviado ficaria esperando a resposta e nesse ínterim não faria nada.  Convoquei todos para uma reunião de emergência após o último período.

– Contei o ocorrido e expus as possíveis conseqüências para nossos planos pedindo que colocasse na mesa sua opinião por mais estapafúrdia pudesse parecer – Achei que um brainstorms fosse útil naquela situação. João me olhou inquiridor e pisquei-lhe irreverente para tranqüilizá-lo, mas meu coração estava atormentado.

– Ficamos a madrugada toda discutindo sem encontrar um caminho viável até que alguém falou em tom de troça lá de trás: “O único jeito é ficarmos amigos”.

– Todos riram e alguns assobios foram ouvidos excedendo toda disciplina que se espera encontrar em uma reunião de serviço como aquela. Eu mesma senti vontade de gritar para expulsar aquela tensão que sentia em cada nervo de meu corpo. Meu pescoço estava duro como mármore. Levantei-me agradeci a todos e caminhei em direção a saída. João me seguiu até a porta se desviando á esquerda indo em direção a cantina para um café. Recusei seu convite me dirigindo ao alojamento. Precisava urgente de um banho para tirar aquela sensação de incompetência que grudava em mim como pó de carvão. Parecia que todos percebiam minha inadequação para o cargo que exercia por imposição de um projeto que fora concebido décadas antes de meu nascimento. Estava com raiva. Queria me esconder em um buraco escuro e profundo onde jamais fosse encontrada… Sabia ser impossível a sorte fora lançada para o bem ou para o mal e o retorno não era uma opção. Estava decidida a encontrar uma solução onde todos ficassem satisfeitos e se unissem em torno do projeto do grande líder – Sua morte fora um ato de extremo altruísmo e isto era como seu dedo sobre o furo de um dique preste a desmoronar dentro de mim. Eu não permitiria o fracasso… Eu não seria o fracasso.

– Posso dizer que esse foi o momento… O instante do nascimento da solução.  Lembro-me que enquanto estava submersa na banheira cheia de pensamentos de perda, de fracasso, de vontade de fugir algo aconteceu. Um click retiniu em algum lugar no fundo do meu pensamento… Meu cérebro desligou e tudo escureceu.   Voltei a mim um quarto de hora mais tarde. Meu corpo tremia sob a água fria, mas estava calma como se tivesse tomado uns quantos valium. Um único pensamento bailava entre meus neurônios e uma urgência me empurrava para fora do alojamento. Levantei-me peguei a toalha e enxuguei o corpo esfregando com força para espantar o frio. Vesti-me e fui à cantina. Lá chegando a primeira pessoa que vi foi João sentado ao lado de uma das janelas absorto em contemplar as estrelas. Sorri ao lembrar o propósito daquelas janelas construídas onde deveria ser um local fechado com apenas uma porta para o interior do complexo. O projeto ficaria muito mais seguro sem elas e a construção mais rápida, mas os visitantes não levariam para casa uma lembrança tão bela como a imagem do universo adquirida a partir do lado escuro da lua e sem nenhum instrumento – a olho nu – Isto sim era uma técnica de persuasão digna da cidade subterrânea.

– Persuasão bisa?

– Claro!… Persuasão! Queríamos todos do nosso lado sem restrição… Tínhamos inimigos suficientes e a beleza convence mais do que qualquer outra coisa.

– Sentei-me frente a João e toquei seu braço para tirá-lo da contemplação.

– O que foi? – Perguntara me olhando inquiridor.

– A reunião não foi infrutífera afinal – comentei displicente.

– O que quer dizer?

– Aquilo que foi dito no final é a solução.

– Como assim?

– Não temos outra solução se não compartilharmos com os homens de negro a gerência da nova tecnologia.

– Não entendi…

– Temos que oferecer para eles o que sempre buscaram… Riqueza.

– Mas isso eles já tem.

– Exato! É o que eles têm medo de perder por isso a manipulação.

– Um consórcio? É isso?

– Sim. Pode se chamar assim… Um consórcio. É o nome correto…

– Explica melhor.

– Estamos repassando toda nossa tecnologia para as universidades, não é? Mas precisamos construí-la também. Substituir a tecnologia antiga pela nova. Somente estudá-la não é suficiente… Temos que administrar a fabricação… A substituição.

– É uma boa idéia, mas isso não tira os homens de negro da nossa cola.

– Vamos convidá-los para fazer parte… Vamos usar sua experiência para implementar o plano.

– Pode dar certo… Transformar os inimigos em aliados… Gênio!  Será um golpe de mestre. Resolveremos todos os problemas em um único golpe… Já sabe como fazer isso?

– Não está totalmente planejado, mas o primeiro passo é entrarmos em contato. Vamos procurar o homem do e-mail e pedir que marque uma reunião. Depois improvisaremos um pouco… Até encontrarmos um rumo. Precisamos antes de qualquer coisa conhecer nossos inimigos. O que você acha?

– Concordo! Venha comigo.

– Foi assim. A crença imediata de João no plano foi o que definiu nossa vitória. Porque nem eu mesma acreditava cem por cento nessa possibilidade. Levantei-me e acompanhei-o até a sala de comunicação. Lá chegando pedimos o nome da pessoa que mandara o e-mail. Foi como se tudo estivesse sincronizando. Rapidamente, como se nos esperasse, o chefe da comunicação pegou o leitor de cima da mesa e me entregou.

– Acabamos de descobrir – informou.

– Levei um choque. Segurei o leitor e olhei sua tela. O nome escrito em letras maiúsculas pulou em meus olhos: Bravini – estava escrito – Luigi Bravini. Levantei a cabeça e encarei firme o homem atrás da mesa.

– Mande chamá-lo e o envie a minha sala imediatamente – Falei ríspida.

– Saí porta a fora com João em meu encalço e nos dirigimos á minha sala. Pouco depois o homem apareceu acompanhado por um  guerreiro. Olhei aquele rapaz gorducho com não mais de um metro e setenta com óculos grossos de grau elevado e pensei: Um nerd. Tinha que ser mesmo afinal quem seria mais fácil de manipular do que alguém com baixa estima e fissurado por tecnologia.

– Levantei-me da cadeira e estiquei a mão para uma apresentação formal – Você é o Luigi Bravini – perguntei – Muito prazer sou a responsável pelo complexo – circundei a mão livre em torno para demonstrar minhas palavras

– Prazer sou o Luigi. Em que posso ajudar? – respondeu com uma pergunta deixando transparecer certo incômodo no semblante

– Esse é João o responsável pela segurança – apresentei indicando meu companheiro. Percebi um leve tremor no canto de sua boca. Ele estava com medo.

– Muito prazer – João esticou a mão e se apresentou. Luigi apertou sua mão, mas continuou olhando para mim. Estava muito assustado.

– Vou direto ao assunto – anunciei ríspida e enverguei meu corpo para frente apoiando minhas mãos espalmadas no tampo da mesa para intimidá-lo. Olhei-o severa por alguns segundos e perguntei a queima roupa.

– Foi você que enviou esse e-mail? – Peguei o leitor de cima da mesa e o virei em sua direção.

– Ele abaixou os olhos e leu demorando um pouco mais que o normal para levantar a cabeça.

– Não sabia que era proibido se comunicar com o exterior – Respondeu indeciso.

– E não é! – exclamei olhando-o fixamente.

– Foi você que enviou este e-mail – repeti a pergunta.

– Sim fui eu – gaguejou.

– Para quem você mandou e qual é a intenção.

– Ele ficou em silêncio por um longo momento olhando para minhas mãos.

– Sei quem são! – Exclamei endireitando o corpo fazendo-o desviar a vista e me encarar.

– Sabe? – Perguntou com um fio de voz.

– Sei! Quero que você marque uma reunião com todos eles para conversarmos – Chutei esperando ser desmentida.

– Está bem! – Exclamou me olhando espantado.

– Fiquei chocada tinha acertado na mosca.   Senti como se estivesse dentro de um túnel e não houvesse outra passagem que me levasse ao futuro. Uma força gigantesca estava tomando conta da situação. A sincronização era perfeita. Seria o destino? – Perguntei-me após pedir que saísse e me sentei atrás da mesa tendo em minha frente João com uma expressão de espanto congelado no rosto e um sorriso amarelo na boca em forma de oh.

– O que foi isso?! – Perguntou espantado.

– Parece que vamos ter a reunião mais fácil do que imaginamos – estão desesperados.

– Lembro-me como se fosse hoje aquele pequeno confronto que desencadeou a mudança radical que consumou toda nossa esperança – Elisa sorriu e suas pupilas dilataram de uma maneira singular transformando seu rosto no retrato da felicidade plena.

– biselisa você está linda! Muai exclamou beijando seu rosto.

– Vamos parar um pouco, meu querido – pronunciou as palavras devagar se sentindo constrangida com o comentário de seu bisneto – Gostaria de beber alguma coisa vamos até o bar?

Levantaram-se os dois e caminharam em direção ao tombadilho. Lá em cima o clima estava ameno. Uma multidão de passageiro se deleitava na piscina enquanto outros estavam sentados em mesas espalhadas a sua volta bebericando um líquido colorido acondicionados em copos com desenhos surreais, mas que aparentavam ser bem cômodo de manusear.

Sentaram próxima a amurada e Elisa apertou o botão do centro da mesa chamando o garçom. Ficaram observando o grupo de homens atirando nos pratos que eram lançados no espaço a uma velocidade estonteante. O primeiro tiro desintegrou o artefato segundos após partir zunindo saindo de algum lugar do casco da astronave abaixo de onde estavam. O segundo disco saiu de alcance sem ser molestado. A zombaria dos homens chegou aos ouvidos de ambos que olhavam curiosos. Elisa seguiu o objeto e viu quando uma detonação o desintegrou antes de desaparecer de vista.

– Pensei que estávamos sujando o espaço com essas quinquilharias – Elisa comentou com o garçom que se aproximara da mesa mostrando com a mão o local onde o prato havia desaparecido.

– A lei não permite senhora. O artigo vinte e cinco do código da colonização espacial não permite que se deixem resíduos para trás. A multa é enorme… Já faliu muita empresa irresponsável.

– Fico feliz em saber disso… O que vai querer meu querido?

– Uma banana split.

– Traga um vinho branco do sul do Brasil…  De uma safra decente, hem meu caro.

Após esperarem algum tempo observando os passageiros em trajes coloridos Muai tocou a mão de Elisa e perguntou:

– Biselisa porque a senhora não continua a história? Estou curioso para saber o que aconteceu.

– Pois bem!… Onde estava mesmo?

– Ah Sim!… A nave fora buscar os dezenove líderes dos homens de negro logo que amanhecera naquele dia memorável no final de agosto de um ano que começara com grandes promessas. Fora difícil a negociação desde o primeiro contato. Levamos quase quarenta dias para convencê-los a vir se encontrar conosco. Nossa exigência era uma só: Queríamos os lideres para negociar. Nada de intermediário.  Ficamos surpresos ao descobrir que a liderança do mundo estava distribuída entre apenas dezenove pessoas… E nenhuma delas era político de qualquer país.

– Esvaziamos a cantina e a decoramos de maneira espetacular. Queríamos mostrar além da riqueza e do luxo a nossa capacidade tecnológica milhares de anos a frente de sua reles engenharia. Mandamos iluminar o lado externo do complexo para que as visitas pudessem ver o solo lunar com toda sua imperfeição e esterilidade assim que transpusesse a porta. Os cinco sentidos do observador eram bombardeados com toda gama de informação alienígena no momento que se entrava no ambiente deixando qualquer um absolutamente maravilhado. Estávamos pronto para recebê-los.

– Fomos avisados que a nave estava próxima de pousar e nos dirigimos ao hangar para recebê-los.  Os guerreiros em traje de gala estavam perfilados e o espetáculo montado no mínimo detalhe. Estávamos prontos. A nave penetrou lentamente no edifício atravessando a cortina de plasma que mantinha a atmosfera em seu interior intacta. Pousou nas garras de metal e a porta se abriu com o chiado característico. Esperamos alguns segundos em suspense…

Continua no próximo capítulo…

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