Tentar construir uma verdade!

Tentar construir uma verdade!

Por Raul Tartarotti
Um homem rico chamado Calvicius Sabinus, tinha um cérebro com uma memória minúscula, que o deixava com saia justa por diversas ocasiões sociais.
Por isso resolveu gastar uma fortuna contratando escravos culturais, para preencher seu vazio intelectual, mesmo sabendo que nunca conseguiria absorver nada estudado pelos contratados.
Suas vagas lembranças eram tão ruins que em alguns momentos os nomes de seus amigos, Ulisses, Aquiles e Príamo, sumiam rapidamente sem deixar vestígios.
Os escravos seriam sua memória pra cada tema que lhe fosse interessante conhecer, e conversar com os intelectuais de sua época. Nada o impediu de querer parecer um homem culto, por isso não mediu gastos na contratação dos escravos.
 Um deles seria para conhecer a fundo Homero, outro para poder conversar com Hesíodo, e assim atribuiu a cada escravo, a tarefa de conhecer muito bem cada um dos nove poetas líricos.
O custo da empreitada foi tão alto que daria pra comprar uma biblioteca com diversas estantes, possíveis de preencher qualquer criatura com conhecimentos atraentes.
Seria muito interessante se pudéssemos deixar outras pessoas carregarem nossas partes mais íntimas, que nos tornam nobres, mas estaríamos desvalorizando quem sempre consagramos com talentos especiais, aqueles que carregam somente consigo, habilidades extras de valor social, e não em malas a tiracolo para preencher suas falhas.
Transgredir nossa natureza é tão melancólico quanto querer viver eternamente. Assim como a velhice é a principal fase da sabedoria, nossas limitações a cada tempo, nos servem de marca registrada, e não de acúmulo de perdas, porque formam o conjunto de resultados da construção pregressa.
Reinventar-se ou reconstruir-se, não são sinônimos de atos que devemos incluir escravos intelectuais para suprir nosso ego.
Entre 1626 e 1628, um potente navio de guerra foi construído pelo governo Sueco. Como o Sr. Calvicius, o Rei Sueco gastou uma fortuna para fazer navegar o navio Vasa. Foi uma obra inovadora, porém, com a parte superior muito pesada, pois continha setenta e dois canhões com 24 libras cada um, além disso o navio não tinha lastro suficiente, e sua falta de estabilidade o levou a naufragar poucos minutos após zarpar do porto.
O naufrágio seja pela vida inventada ou desestruturada em seu projeto inicial, é inevitável.
 Assim como a engenharia, a natureza humana tem suas particularidades e formas adequadas de funcionar.
Basta que façamos um pouco de mea-culpa, e exercitemos a empatia, caso contrário, nos tornamos vítimas de nosso capricho, ao tentar construir uma verdade fatal a realidade.
Sobre Raul Tartarotti 97 Artigos
Natural de Gramado, Raul teve formação básica em Eng. Biomédica. É cronista em diversas publicações no Brasil e exterior, impressa e eletrônica. Estudou literatura Russa, filosofia clássica e contemporânea. Suas crônicas são de cunho filosófico e social, com objetivo de trazer reflexão ao leitor sobre temas importantes de nosso cotidiano.

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