Uma lição de brasilidade

Uma lição de brasilidade

Por Gilberto Silos

Há 65 anos o cinema brasileiro recebia seu primeiro prêmio internacional. No Festival Internacional de Cannes, O CANGACEIRO ganhava o troféu  de melhor filme de aventuras e trilha sonora.  Dirigida por Lima Barreto e produzida pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, a película abordava  tema  relacionado  ao cangaço no nordeste brasileiro.

Com diálogos escritos por Rachel de Queiroz, Lima Barreto elaborou o roteiro e o apresentou à diretoria da Vera Cruz . A princípio, a ideia foi rejeitada em razão do alto custo em deslocar toda a equipe para as filmagens nos sertões nordestinos. O orçamento previsto era baixo. Como rodar uma história ambientada no Nordeste,  longe daquelas  paragens ?

Lima Barreto, natural de Casa Branca – SP., por sinal meu conterrâneo, encontrou uma saída. No  vizinho município de Vargem Grande do Sul, havia um local, na zona rural, com paisagem semelhante à caatinga nordestina. Ali seriam filmadas as cenas.

Resolvido o problema, a equipe instalou-se naquela pacata cidadezinha paulista, cuja população , na  época, beirava  18 mil  habitantes.  A convivência com aquela gente famosa e a estranha agitação nas ruas viriam a mexer com a vida daquele povo. Assim, em meio a alguns  contratempos, o filme foi concluído. A história, inspirada na lendária figura de Lampião, continha cenas de violência, amor   e músicas. Alguns críticos de cinema ainda se  referem ao filme como o primeiro nordestern brasileiro. O público viria,  finalmente, a saber o que era o cangaço e seu contexto regional e histórico. As pessoas, até então, ouviram falar de Lampião e Maria Bonita. E só.

Foi um dos maiores sucessos do cinema  brasileiro  de todos os tempos. O filme começa e termina com a música Mulé Rendera, de domínio público.No decorrer das cenas, porém, outras músicas, todas de autoria de Zé do Norte, dão um tom de romantismo ao  enredo.

Depois da premiação em Cannes, o filme foi exibido em 80 países. Na França ficou 5 anos em cartaz. As músicas foram gravadas  no exterior. Joan Baez, inclusive, gravou Mulé Rendera cantando em português.

A Vera Cruz, entretanto, ficou com apenas um terço da renda obtida no Brasil. Sua grande dificuldade era não dispor de uma estrutura de distribuição e propaganda. A  Colúmbia Pictures comprou os direitos inerentes ao filme  e passou a exibi-lo no mundo todo, inclusive no Brasil. Ganhou milhões de dólares. Lima Barreto faleceu em 1982, num asilo da cidade de Campinas, pobre, velho e esquecido. Os atores seguiram com suas carreiras. O CANGACEIRO, obra esquecida no tempo;  mais que um filme: uma lição de brasilidade.