Caminhos e descaminhos – Uma introdução à liberdade

CAMINHOS E DESCAMINHOS – UMA INTRODUÇÃO À LIBERDADE

(Por Diego El Khouri)

I
Longe. Distante. Afastamento. Disperso como uma flecha tendida nos vãos do caminho sem destino algum, sem pouso, sem norte.”É a verdadeira marcha. Para frente, caminho!” Ninguém soube expressar o verdadeiro sentido da palavra “fuga” mais do que Arthur Rimbaud. A verdade é que ele sempre fugiu. Seja em sua jornada a lugares longínquos, desabitados ou insólitos como a Abissínia, seja nos desvios vertiginosos à beira da loucura ou até mesmo seu abandono definitivo com a literatura no auge dos vinte anos de idade.
Ele era um aventureiro. Um demônio num corpo de criança. “Um místico em estado selvagem” como Claudel definira. Eis o que se perdeu na arte: a fuga e a busca ao desconhecido, o desejo e a vontade de não entregar-se a nada – caminhos, caminhos e caminhos: a liberdade.
II
Muito jovem Rimbaud rompeu com os valores ditos “normais” da sociedade. Para ele “a moral é a fraqueza do cérebro” e a vida deve sentir-se em sua total plenitude. Por isso essa necessidade de não fixar-se a nada, a nenhum local, a ninguém.
Em suas fugas sempre estava sem dinheiro, andando a pé e de barriga vazia. Chegou certa vez a sofrer de febre tifoide devido a inflamação nas paredes do estômago causada pelo atrito da costela contra o abdômen por excesso de caminhar a pé. Na Abissínia andava a cavalo excessivamente. Tudo excessivamente.
Hoje relendo sua obra poética fazendo uma analogia à arte contemporânea pós Rimbaud, percebo o vazio deixado, o abandono em relação ao sentimento desesperador que todo artista traz em si, o sentimento de fuga. É preciso fugir. Alcançar novos horizontes. “Abrir as portas da percepção” como William Blake dizia. Porém há algumas exceções, belas exceções por sinal, como exemplo, Allen Ginsberg,poeta maior da geração beat, exemplo de intensa liberdade criadora e anárquica. Com ele a chama da poesia permaneceu acesa. Ele insistiu na ideia que a poesia não é apenas um produto escrito, e sim uma forma de vida. “O poeta tem que cair na vida, deixar de ser broxa para ser bruxo”,dizia Roberto Piva. Sem dúvida essa correlação entre existência e literatura não pode dissociar. “O poeta é ladrão de fogo”. Não há limites. O abismo é logo ali. É preciso penar muito para se chegar a sua essência. Baudelaire nos revelou essa faceta. Sem sofrimento,prazer, não há arte. A dúvida é necessária.
III
Mas que arte é essa que é preciso correr, esconder-se? Seria covardia ou fraqueza essa constatação?
Não. o que se está dizendo não é a fuga como uma espécie de não revelar-se.Muito pelo contrário.E sim expandir a mente.Buscar novos caminhos.Transcender.A banalização dessa palavra está presente nos dias atuais tanto na música quanto na literatura.
Ao ligar o rádio sempre me deparo com a melodia (independente do estilo musical) cujos versos “eu me perdi”, e “eu preciso fugir”, vêm aos meus ouvidos como uma atitude forçada. Não sabem o desespero e a dor dilacerante que essas palavras carregam em si.Investem na bunda mas esquecem o erotismo. A mídia alimenta-se de cadáveres. O novo passa a ser fugaz. Creio numa mudança. A longo prazo,é claro. A esperança permanece viva, embora trôpega. Ah, que ironia! Ao adentrar pela primeira vez no salão onde se realizava o banquete”Vilões-Gentis-Homens” acompanhado do poeta maldito e grande incentivador de Rimbaud, Paul Verlaine, D’Hervilly exclamou ao ver aquela alma inocente e maligna de semblante misterioso “Jesus Cristo entre os homens!” “É o demônio!” Maitre corrigiu para tornar a frase mais coerente com o jovem que aquela noite se apresentava a tantos intelectuais que festejavam seus dons com muita bebida e haxixe.Depois de uma conversa decidiram abrigar o rapaz com os amigos de Verlaine numa espécie de rodízio, porém após um desentendimento com Charles Cros ele abandonou o local e passou a perambular por algumas semanas com os mendigos na Praça Maubert. Nunca se agregara a nada, a ordem nenhuma. Nem aos homens nem a Deus. Mesmo sendo cultuado por toda a França, certa vez disse que nunca voltaria a sua terra natal,pois não tinha amigos lá. Era um transeunte. Além de poeta, um visionário. Poucos souberam representar a dor do existir como Rimbaud e Van Gogh.
Sua poesia sempre será atual. “Nunca será um velho punk”. “O melhor é um sono bem bêbado na praia”. No livro “Une Sainson en Enfer (Uma estação no inferno)” ele escreve que se via “diante de uma multidão exasperada, frente ao batalhão de fuzilamento, chorando da desgraça que eles não puderam entender, e perdoando!” Teve um momento que esse jovem audaz sentiu necessidade de fazer parte de algo. Deixou o cabelo crescer até os ombros como todo poeta parnasiano. Se cansou do movimento brando e num de seus inúmeros momentos de rebeldia esporrou no copo de um poeta parnasiano. Deixava irritado o padre, professor e bibliotecário Humbert, pelos livros que pedia: tratados de magia,livros de feitiços e contos eróticos. Antes de tudo era irônico, um fanfarrão. “Jesus Cristo entre os homens!”
IV
Sentado agora nessa cadeira carcomida pelo cupim, com uma baita dor nas costas e uma leve embriaguez no olhar, penso na ideal paisagem,nos costumes vulgares e puritanos, nos rituais pagãos, na alquimia,nas religiões e superstições. Nas imagens fixo apenas um momento.Dormita meus pensamentos na vaga lembrança, a infância, a infância, a querida infância, a liberdade… Que venha a magnífica alienação!O que o futuro nos espera? Morta está a liberdade ou apenas o homem se tornou escravo da máquina? A arte voltará a ter a força de uma bomba atômica? Destruirá dogmas e crenças? Roubará a beleza do espaço?O instante como um estupro?No que se designa a liberdade?E a imobilidade? O homem está destinado a eterna servidão?Há quem diga que liberdade é o resultado de uma visão individualista.Não há barreiras para os que creem… O trabalho árduo, estressante…Até Rimbaud se entregou aos serviços remunerados, de forma um tanto clandestina, mas se entregou. Tinha que provar para a família que era sério… Não quero provar nada… mas a imobilidade é muito forte como uma morfina que se perde na veia e transforma dias em vazio…noites em claro… “Tenho horror de todas as profissões. Patrões e operários, todos os camponeses, vis. A mão na pena vale a mão na enxada. – Que século de mãos! – Nunca terei a minha mão”.

Penso como Rimbaud.

(18, Março, 2009)

 

 

 

Diego El Khouri. Artista visual, poeta, ensaísta, contista, fanzineiro, cartunista, caricaturista, desenhista. Nascido em Orizona (GO) em 21 de maço de 1986. Mantém alguns fanzines em atividade e é colaborador de diversas publicações alternativas no Brasil além de antologias poéticas e revistas culturais. Participou ativamente de grupos de poesia, no Rio de Janeiro, como a Pelada Poética (organizado pelo ator e poeta Eduardo Tornaghi) e Ratos Diversos (um sarau bastante conhecido na Lapa e criado pelo poeta Dudu Pererê). Participa de exposições (tanto coletivas como individuais) no Brasil e exterior além de organizar eventos relacionado as artes visuais. Atua em linguagens diversas. Encara a arte como laboratório de experimentação.

Sobre Elizabeth Souza 407 Artigos
Elizabeth de Souza é coordenadora e editora do Portal Entrementes....

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