Lobo solitário

Por Milton T. Mendonça

Lobo solitário. É assim que o chamavam naquela tórrida primavera. Os casados ficavam de orelha em pé quando ele aparecia. Nessas ocasiões, eu sempre estava presente e via o clima escurecer prenunciando chuva da grossa.

Sempre me perguntei o que leva os homens a continuarem ser territorialistas. Nós estamos bem longe entrados no tempo e, nessa altura do campeonato, já deveríamos ter abandonado essa prática. Pelo menos em relação a mulher. A fêmea tem uma tendência instintiva de se dar aos mais fortes, no que hoje se traduz, ao mais rico.

A mulher, teoricamente, já aprendeu a conviver conosco, sabem até onde vamos quando o que está em jogo é o prazer sexual. Porque, admitamos, não tem mais nada a ver com esse negócio de preservação da espécie. O prazer sexual é a motivação na sociedade atual.

Mas, continuemos: todos estavam tensos, era uma reunião literária e casais circulavam pelo salão enquanto não era anunciado o palestrante. Salgadinhos variados estavam dispostos em uma mesa, no canto, acompanhados por bebidas não alcoólicas.

Ele circulava com a cabeça erguida, postura de caça. Em torno, a tensão contida era um vulcão preste a explodir. Os machos defendiam o território contra inimigos de outro bando, era uma dança. As mulheres intuíam mais que percebiam e não deixavam a coisa chegar a vias de fato.

Moças solteiras eram automaticamente capturadas e presas dentro do circulo, para, supostamente, serem protegidas dos ataques de fora. Ele não podia caçar, estava nervoso e agressivo. Cumprimentou um casal e ouvi um rosnado, ou quase um, partindo do homem. A mulher respondeu gentil.

Parou em frente à mesa e se serviu de um salgadinho. Uma jovem se aproximou:
O brioche está bom? – perguntou com ar de oferta sacrifical.
Um pouco! – sorriu e a mediu com olhar experiente.

Era uma presa nova, fácil. Recém saída do cercado das crianças. Dezoito dezenove anos.

Gosta do Nieztche? Difícil alguém da sua idade se interessar por ele… Viu seus olhos se apertarem e esperou uma resposta mal educada.
É verdade, sou independente. Não entro em estatísticas… Olhou-o zombeteira.
Uma rebelde! – Pensou – se interessando pela menina imediatamente.
Conheço o Sr! Tenho uma tela sua!
Não me lembro de você…

Olhou em volta e constatou que os homens estavam fechando o cerco. Aproximavam-se sorrateiramente dirigindo as mulheres em direção à mesa, tentando ouvir o diálogo.

O alto falante emitiu um som estridente. Virou-se em tempo de ver o palestrante subir à plataforma e cumprimentar os presentes.
O nosso herói, então, caminhou até à terceira fileira se sentando na ponta. Minutos depois alguém sentou ao seu lado. Era a menina bonita, ainda comendo o brioche. Sentiu mais do que ouviu uivos de guerra saindo das gargantas secas dos machos distribuídos à sua volta. Seu pêlo se eriçou.

A palestra dinâmica e bastante interativa, reforçou a proximidade entre os dois. Tocaram-se algumas vezes. Não houve divergência de opinião, e ele apreciou seus joelhos, seu perfume e suas coxas grossas, que o corte do vestido valorizava.

Quando se levantaram para sair. Sentiu a movimentação das feras a sua volta. A pressão se iniciou com a tentativa de separa-los no empurra-empurra, em direção à saída. Estava isolado, os machos o cercavam. Balançou a cabeça em tom de troça e empurrou firmemente o primeiro, o espremendo. Abriu caminho com o corpo em cunha. Precisou dar cotovelada nas costelas de alguns, mas conseguiu alcançar a moça leva-la pela mão até a saída.

A noite estava fresca. O ar úmido criava um clima de sossego e alegria. Observei-os caminhando em direção ao centro e sabia onde iam terminar. Senti a frustração dos homens que ao atravessar a porta e se dispersar na calçada, deixavam para trás, não só o inimigo, vencedor, mas também o grupo. Porque aqui fora, todos sabiam, era cada um por si.

2017

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