Vestígios por Alexandre Lúcio Fernandes

Foto: Geetanjal Khanna

 

Vestígios

por Alexandre Lúcio Fernandes

O que pode ser tão diferente, que ainda possa chamar a atenção? Às vezes existe essa impressão de que tudo já foi dito e pensado; que não faltam palavras a serem ditas, gestos a serem oferecidos, sentimentos a serem sentidos. O que é possível dizer, que todos já não ouvimos um dia? O que existe ainda para ser destrinchado e entregue como verdade aos ouvidos? Pergunto-me se há, ainda, feições a serem descobertas, se é possível encontrar rastros de dias sadios, quando ainda éramos inocentes e insipientes?

O que falar, quando não parece existir mais nada que consiga transpor o que se passa no coração, sem que isso soe tão familiar? Os dias andam tão letárgicos, pois parece que o relógio gira por girar, e o tempo transpira furtivamente, a ponto de nem sentirmos as transições. São tempos banais. Não há mais espaço para surpresas e encantos. Não há mais o que conceber de peitos tão inertes, de olhos que vagueiam sem saber para onde enxergar. Pergunto-me se há, ainda, gestos que possam curar essa epidemia de indiferença?

Os pensamentos se amontoam, fluem na esperança de encontrar palavras que realcem um novo sorriso em cada um de nós. A mente se definha na busca por algo que reacenda o coração, que consiga reencontrar os vestígios do que fomos um dia. Parecemos entregues e silenciados por um véu entediante, peregrinando em um mundo, que aparentemente, não tem mais nada para oferecer. São tempos desoladores. Será que ainda é possível falar algo de valor?

Nunca se navegou tanto em águas banais. Nunca tantas palavras e gestos foram tão reles quanto agora. Até os abraços parecem antiquados. Até os amores andam ordinários. Em meio a essa sensação de que nada mais fascina, viver tem se tornado tão obsoleto. A alma luta em busca de vestígios, de traços que possam desmoronar o muro trivial que se ergueu entre nós. A alma, em uma busca ferrenha, se desoprime para reaver o que foi perdido, para descobrir os lençóis dos móveis abandonados e esquecidos. São tempos vazios. Há, ainda, vestígios?

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