As Férias

 

As Férias

Por Milton T. Mendonça

O domingo amanhecera chuvoso naquele começo de janeiro. Apesar do verão, não saíra de férias como era seu costume. Queria algo diferente, cansara da mesmice que a estação trazia consigo todo ano, além da chuva – ficaria em casa.

Mandou a família para o chalé na praia e ficara só. Já se esquecera como era ficar só, sempre com alguém lhe pedindo isso ou aquilo, precisava refletir sobre sua vida. A meia idade o pegara desprevenido e não se reconhecia mais. Sempre se assustava ao se olhar no espelho e, em vez dele, quem o encarava, era aquele senhor melancólico, tentando lhe dizer algo que nunca conseguia entender. “Quem era ele?” – cansara de se perguntar. “O quê queria, afinal?”

No primeiro dia que ficara sozinho, andara pela casa curtindo o silêncio. Limpara a garagem, arrumando suas ferramentas como sempre imaginara que faria quando tivesse tempo. Almoçara naquele restaurante cheio de mulheres bonitas, onde passava em frente quase todos os dias mas nunca entrara. Dormira a tarde toda no sofá da sala e ninguém reclamara ou perturbara. O gato sempre arredio se aproximara, percebendo que ele era o dono da comida, se deitando em sua barriga como se fossem amigos íntimos.

E a semana passara sem novidades. Só começara perceber a solidão quando acordara na Segunda-feira e tudo estava feito. Todo o planejamento que fizera fora concluído em apenas sete dias, nada mais restara para fazer. Ao se barbear, porém, o encontrara no espelho, melancólico como das outras vezes, o olhando como se perguntasse algo. Vira pela primeira vez seus cabelos brancos, já não tão brilhantes como se lembrava, as rugas nos cantos dos olhos, a pele levemente opaca. Mas foi a tristeza que o impressionara, o olhara sério, concentrado, e ouvira a pergunta que tanto o perturbava.

– Você é feliz? Está realizado?
– Que pergunta é essa, pelo amor de Deus!
exclamara alto, o som reverberando na parede do banheiro criando um eco fantasmagórico que o surpreendera pela intensidade.
– Se sou feliz?! Se estou realizado?!
– Ora, o que significam estas palavras afinal, Parecem coisas de talk show, coisas do Faustão.

Terminara o banho e saira irritado do banheiro com as palavras remoendo seu pensamento. Fizera o café, lera o jornal tentando encontrar o sentido da felicidade nas notícias, mas não conseguira. Passara o dia tentando encaixar a pergunta em algo concreto, mas foi em vão, ela insistia em se refugiar no abstracismo, local onde quase nunca ia e, nas raras vezes que se aventurara, não se saira muito bem.

Fora dormir perturbado, como se estivesse preso na malha de um pescador perverso, se sentindo um pequeno peixe indefeso.

Acordara cansado na manhã seguinte e evitara o espelho, não queria olhar aquele velho neurótico lhe cobrando respostas absurdas.

Aquele dia não ficara em casa, rodara pela cidade. Visitara lugares onde há muito tempo não aparecia e amigos que deixara de lado quando se casara, mas tudo que conseguira foi sentir saudades de Elisa, das filhas, dos netos, se espantando ao perceber que até os genros lhe faziam falta.

Voltara no fim da tarde a casa, cansado, mas com a pergunta grudada em seu cérebro como uma luz impossível de ser apagada. Pegara o velho dicionário esquecido no armário e procurara a palavra felicidade em suas paginas.

Encontrara as definições: contentamento; concurso de circunstância que causam ventura; bom êxito; qualidade ou estado de quem é feliz.

Exasperado procurara a palavra feliz e lera ávido: afortunado; bem sucedido; próspero; satisfeito; ditoso; abençoado; bem imaginado; bem lembrado.

Fizera uma lista escrevendo com o pincel atômico em uma folha de papel sulfite A2. Colara-a na parede em frente o sofá e relera milhares de vezes tentando entender o sentido das palavras. De repente, em um momento de lucidez inesperada, percebera as frases: bem imaginado; bem lembrado – sorrira repetindo alto na sala silenciosa. Sentira uma imensa vontade de ouvir a voz de Elisa e a algazarra das crianças correndo pela casa. Pegara o telefone e discara o numero do celular, sentindo aquela sensação de fazer parte de algo confortável, que sempre sentira, mas nunca percebera com tanta intensidade como naquele momento. Ela atendera do outro lado daquele seu jeito infantil, preocupado:

– Alô! O que você está fazendo?
– Oi querida! Como estão as coisas aí embaixo – respondera tentando parecer alegre.
– Porquê você não vem, vamos ter um sarau. As meninas convidaram uns amigos…
– Escuta meu bem – perguntara tentando parecer despreocupado – como você me imagina? Como você se lembra de mim?
– Que pergunta é essa? – rira alegre – estava pensando em você agora mesmo. Lembra-se de como era quando nos conhecemos? É assim que penso em você. Um garotão boa vida – rira outra vez – venha logo, estou com saudades.
– Estou descendo no fim da tarde.
falara mais para si mesmo, desligando o telefone.

Ficara sentado algum tempo no sofá, absorto. Levantara-se com uma sensação de urgência e fora ao banheiro se encarando sério, recebendo de volta o sorriso satisfeito de um garoto boa vida que gostava de passar as férias na praia, onde sempre acontecia surpresas maravilhosas. Saira dali, arrancara a folha de papel sulfite da parede, a amassando e jogando com força na lata de lixo. Vestira a sua roupa mais confortável, pegara o gato, pondo-o no banco traseiro de seu automóvel, e se dirigiu a estrada que o levaria para junto das pessoas que o completava.

Ele era um homem feliz e realizado!

Sobre Quênia Lalita 263 Artigos
Quênia Lalita escreve poesia. É ilustradora, tradutora e faz revisão de textos. E mora em São José dos Campos, SP

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*