Ato derradeiro

Foto: Elijah O’Donnel

 

Ato derradeiro

por Alexandre Lúcio Fernandes

O mundo delibera-se, opaco e resoluto, diante de dias inexpressivos e transfigurados. Evidencia-se o golpe derradeiro, uma efusiva despedida, uma evasiva que destrincha os ângulos de uma tumultuada estação que não aparenta ter fim. Os momentos parecem fugidios e sem textura; os sentimentos, desnorteados, vagam perdidos e desamparados, carentes de um abrigo, de um afeto que os salve da escuridão.

Sobram dúvidas e incertezas, sonolências que desorientam quaisquer súplicas. A raiz humana padece em seu próprio solo envenenado, obliterando as chances de uma purificação. A sensação é de um ciclo sem fim, um rito de morte que ecoa sobre nossas cabeças. Os suspiros, frágeis, anunciam um período aflitivo e isento de eco. Secas são as emoções que nos vestem em tão cruciante momento. O relógio gira célere, acentuando a dor que se afunila. Já não há mais plena dedução.

É uma tortuosa estação que prepondera sua extensiva mudez, arrematando doloridas incursões em nossas almas fundidas com cinzentas emoções. Falta apelo, algo que nos conduza incólume sob este viés insalubre, desta tormenta que rege a multidão desorientada e desacreditada para um abismo que engole seco, maltratando os desejos que circundam nossas almas desvalidas e cansadas de persistir. Cada passo é um pulo no abismo.

Viver tem nos incinerado, soltando-nos em solo movediço que nos suga sem dó. Visto que tudo se encontra perdido e adoecido, acometido por caos e desespero. O medo se espalhou, aterrorizando a firmeza de nossos sentimentos, aniquilando as bases dos caminhos mais seguros. Conviver é temer. E quem ainda resiste, sente o peso nas costas. Pois em tempos de ódio e intolerância, a esperança é um ato derradeiro.

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