cartas ao éter

Gulf (1983), por Philip Guston

não se preocupe com a incerteza
que me corrói as entranhas
afinal, não posso jogá-la na mesa
nem redimir minha demente vergonha

– tudo o que faço é olhar pra trás
pr’os caminhos por onde passamos outro dia
eles estão cobertos com placas de “CUIDADO” destruídas
me lembrando do rancor inútil, dos pecados infligidos
que continuam gritando para nossas costas em euforia;

os corpos daqueles que tentaram permanecer
também se encontram estirados na estrada
veja bem, se você já se reuniu a eles, é impossível dizer
entre suspiros, seguro a necessidade de indagar o que me degrada

– mas como não quero que você seja
outra carcaça sem vida, sem alma!
zombando em silêncio total
das minhas tentativas pra me desinfectar
e finalmente descansar, com calma;

agora carrego um amuleto, não é engraçado?
agora escrevo cartas ao éter, não é de doer?
ou talvez, quem sabe, você ainda consiga me ouvir, querida
a pergunta que não cala é, um dia você vai me responder?

quênia lalita
março/2024

Let me know the way
Before there’s hell to pay
Give me room to lay the law and let me go
I’ve got to make a play
To make my lover stay
So, what would an angel say?
The devil wants to know
– Fiona Apple, “Criminal”

Sobre Quênia Lalita 18 Artigos
Quênia Lalita escreve poesia. É ilustradora, tradutora e faz revisão de textos. E mora em São José dos Campos, SP

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