Cidadão pacato, voto sangrento

por Diego Lops

Você é um cidadão pacato, cumpridor dos seus deveres, obediente à lei, que se indigna com a corrupção e com tudo isso que está aí. Você está cansado das mentiras do governo, não confia mais em políticos; em nenhum deles.

Então surge um sujeito que diz que (coincidência!) vai acabar justamente com a “corrupção e com tudo isso que está aí.” O sujeito parece remar contra a maré, é contra o politicamente correto, diz o que pensa, não está nem aí para o que os outros vão pensar. Por mais que o que ele pense seja um desrespeito a negros, homossexuais, mulheres e indígenas, você acha que são apenas palavras, e que palavras não matam ninguém. Ele diz ser defensor da família, e você se orgulha de ter um representante assim, pois concorda que não há nada mais sagrado do que a sua família. Pronto, você tem um candidato digno à presidência!

Ilustração de Hugo Silva (@abacrombieink)

E então você olha para o lado e vê quem mais está com você nesse apoio, quem mais se sentiu atraído pelo seu discurso: neonazistas, assassinos de índios, desmatadores, sonegadores milionários, fazendeiros escravagistas. Olha para o outro lado, e nessa massa de fãs do seu candidato, há gente que que acredita que gays não são merecedores de direitos, que negros são menos humanos e que mulheres devem obediência aos homens. O discurso do candidato faz brilhar os olhos de quem torce para que adversários políticos sejam torturados, mesmo que sejam mulheres grávidas ou na frente dos seus filhos. Você vê de mãos dadas com o presidente uma turba de gente criminosa, cruel, violenta, tosca , perigosa e excludente.

E o que você faz?

Finalmente enxerga que, como um apaixonado, estava naturalmente cego aos defeitos do objeto de sua paixão? Toma consciência de que, se essa gente está fechada com esse sujeito, há obviamente algo de MUITO errado com ele, mesmo que você ainda não tenha dissipado sua simpatia por ele? Admite que errou no seu julgamento e volta à dura tarefa de procurar um substituto? Se dá conta de que o país que eles querem não pode ser o mesmo que você quer?

Não. Apesar deles, você não hesita, e diante da urna, digita 1, depois 7, e então confirma no botão verde.

Você pode contar as mentiras que quiser para se sentir melhor, mas saiba que você nunca votou “apesar” deles, você votou COM eles, ao lado deles, e não há álcool gel no mundo que vai limpar o sangue que hoje você tem nas mãos.

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