Comédia humana

 

Comédia humana

Por Milton T. Mendonça

O cavalete ficava frente à janela do apartamento único local com luz natural em quantidade suficiente para misturar as cores na paleta com segurança. Fora ideia de sua esposa Elisa vir morar na cidade. Situação que o desagradara bastante e que somente aceitara porque não tivera opção. Agora ficava perdido olhando pela janela em busca de algo que o ajudasse a criar em vez de trabalhar como fazia em seu galpão incrustado entre as árvores de seu sítio. A exposição estava ás portas e precisava de mais algumas telas para completar o exigido pelo dono da galeria.

Para esconder sua chateação e evitar discussão desnecessária entrava no ateliê ao raiar do sol e somente dava as caras novamente quando a noite alcançava seu ápice e começava a deslizar em direção ao amanhecer e todos já tinham se recolhido.

Foi no final da primeira semana que a viu. A tarde findara ofuscando o brilho do dia e o reflexo da luz que saia da janela em frente o surpreendera pelo inusitado fazendo-o se voltar e olhar espantado. Ela se mirava no espelho admirando o vestido vermelho e com as pequeninas mãos arrumava o decote levantando os seios deixando-os mais aprumados ao mesmo tempo em que os avolumava de maneira a ficarem mais evidentes.

O cabelo negro e longo liso e brilhante um pouco abaixo dos ombros remetia o olhar ás curvas da cintura e aos glúteos salientes realçados pela posição que se encontrava tornando a imagem extremamente sensual e magnética. Se fosse possível Juntar com seu reflexo no espelho a tornaria quase tridimensional. Em vez disso dava para enxergar a metade do nariz da boca um olho e meia testa. Além dos seios avolumados por suas mãos experientes.

O pintor precisou de muitos segundos para se desvencilhar do choque que o petrificava e de mais alguns para se dar conta de que não respirava.

Depois disso sua atenção ficara prisioneira da janela. O dia servia apenas para transportá-lo ao final da tarde onde já sem forças quase em desespero via a janela se abrir e ela surgir deslumbrante na intimidade de seu quarto sem imaginar que era observada.

Os dias se passaram depois as semanas e já não conseguia mais ser ele mesmo. Apenas sonhava. Transformou seus sonhos em luz e cores sombras e matizes na tentativa desesperada de exorcizar o demônio que o devorava, mas estava subjugado. Perdera o poder sobre si mesmo. Precisava possuí-la.

Um dia criando coragem no mais profundo de sua alma sóbria cumprimentou-a com um sorriso inerte. E qual não foi sua surpresa quando viu abanando em sua direção àquelas pequenas mãos pálidas.

Com o susto ainda impresso em seus olhos lúbricos abriu um sorriso enorme e com gestos eloquentes a convidou para um café.

A partir daí tudo se tornou previsível e algumas semanas depois era um homem divorciado e em seguida dividia o apartamento com a linda morena. Seus desejos estavam saciados.

O sucesso de sua exposição o manteve alegre e satisfeito por muitos meses e sorveu a nova vida como se nada mais importasse.

Até a nova exposição ser encomendada…

O cavalete continuava ao lado da janela não existia outro lugar melhor para misturar as cores na paleta. Precisava de luz… Muita luz.

A tela foi colocada no cavalete no ângulo correto. A música que tocava no CD player era aquela que costumava inspira-lo. O clima estava perfeito, mas foi somente quando olhou pela janela e viu Elisa debruçada no parapeito é que tudo se iluminou.

O pintor precisou de muitos segundos para se desvencilhar do choque que o petrificava e de mais alguns para se dar conta de que não respirava…

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