O Profissionalíssimo

Muitos acreditam que o Profissionalíssimo é um fenômeno contemporâneo. Há, no entanto, registros de sua existência desde o nascedouro das primeiras empresas estabelecidas em Veneza no século XIII. Foi ali que primeiro se presenciou um comportamento tão singular no âmbito corporativo. E, há oito séculos, o Profissionalíssimo se mantém com todas as suas características praticamente inalteradas.

Reconhecer um deles é bem simples. Basta ir a seu trabalho, num fim de semana, de madrugada, e lá estará o Profissionalíssimo a todo vapor. Não há estação do ano, horário, compromisso pessoal ou hecatombe que o impeça de trabalhar mais do que seus colegas.

Curiosamente, o fato se dá não porque esse indivíduo seja proprietário ou chefe de algum setor da firma. O curioso fenômeno pode afetar entes de todos os escalões. Há o Profissionalíssimo da cúpula, de média influência, e até o de chão de fábrica. Todos, contudo, possuem algo em comum: trabalham mais do que o trabalho. E efetivam sua prática não em silêncio, mas gritando, aos quatro cantos do escritório, repartição, loja ou indústria, que estão se imolando em prol do êxito do empreendimento.

Costumam chamar pejorativamente o Personalíssimo de integrante do “coro dos contentes”. Como sabem, esse é um grupo que age de maneira complacente diante das circunstâncias. Evitam confrontar problemas ou desafios e preferem aceitar as coisas como estão. Geralmente, o “coro dos contentes” é formado por quem pode ter interesses em manter as coisas como estão e, portanto, resistir a mudanças ou questionamentos.

São suposições. O que se sabe, de fato, é que esse trabalhador não é um personagem plano no mundo das relações comerciais. Pelo contrário, o Profissionalíssimo é extremamente complexo em suas particularidades.

Alguns de seus traços incluem o desejo obsessivo de exibir a todos que está se empenhando mais do que a maioria; a sagacidade em evidenciar seu grande empenho em reuniões com a presença de chefias; a aceitação inquestionável de qualquer decisão vinda de superiores hierárquicos; o total compromisso em sempre ultrapassar a jornada de oito horas diárias de trabalho. Ou mesmo ultrapassar a jornada de oito horas durante sete dias por semana.

Ao se examinar tal natureza, um incauto poderia se perguntar: ora, mas qual o problema em ser tão dedicado ao que se propôs fazer na vida profissional?

Não haveria dilema algum se o Profissionalíssimo não lesasse quem não deseja ser Profissionalíssimo. E, não em poucos casos, fizesse isso de caso pensado.

Infelizmente, a experiência nos revela que, com o passar do tempo, esse incansável colaborador inicia um processo tóxico em relação ao ambiente laboral. O que, no início, parecia um inopinado apego à faina, se transforma num episódio de ausência de probidade. Em outras palavras, o C.D.F. pode começar a delatar quem acredita que o atrapalhe.

É quando o Profissionalíssimo se torna um grandessíssimo de um filho de uma égua.

(Publicado na revista Fórum)

 

Sobre Carlos Castelo 49 Artigos
Jornalista, poeta, humorista profissional diplomado. Um dos criadores do grupo musical Língua de Trapo.

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