Conto – O OITAVO PECADO CAPITAL

O OITAVO PECADO CAPITAL

Aguardo sem esmorecer… a paciência é uma virtude que tenho. Estou aqui no lar do pecador, não foi difícil entrar, outra virtude que tenho é saber lidar muito bem com fechaduras… ele nem vai desconfiar que sua casa foi invadida.
O pecador precisa pagar… é minha missão, é meu dever, é minha obsessão. Muitos pecados existem neste mundo, mas com um dos pecados em especial eu não poderei jamais conviver, por isso meu coração me diz para devorá-lo sempre que preciso for.
Sei que meu ato de punir os pecadores pode ser visto como uma contradição, pois não estaria eu pecando também quando os puno, quando purgo seus pecados? Apenas um ímpio pensaria isso, pois estou praticando o bem, estou sendo um instrumento da justiça, um arauto a flagelar os verdadeiros pecadores. Quando se devora em especial o pecado a que não perdoo, sempre se estará do lado correto, mesmo que a sociedade incauta ainda não compreenda isso. Ah, mas um dia ela há de compreender, e quando isso acontecer, terei meu inequívoco valor reconhecido, e serei tratado como o herói que eu sei que sou.

     Mesmo em meio à escuridão, noto o computador do pecador… no mesmo instante sinto o ódio ferver em mim, pois é provável que tenha sido por ali que a blasfêmia tenha sido cometida. Se não foi por aquele instrumento, então teria sido pelo criador de zumbis do século XXI, o famigerado celular, invenção que com certeza foi criação das hostes infernais.
Tempos modernos… cria dessas eras tecnológicas, este pecado que hei de devorar com certeza só não está listado entre os Sete Pecados Capitais por ser ainda muito jovem, imberbe… por isso eu o chamo de Oitavo Pecado Capital.      Os outros sete pecados eu até consigo compreender, perdoar… mesmo porque eu transito por eles algumas vezes também, mas este oitavo… ah, este não tem indulto! Hei de penitenciar a todos que ousarem desatiná-lo!
São tantos alvos… ele já devorou os pecados de três deles, este será seu quarto ato de punição, de justiça contra os profanadores do desconhecido, dos merecedores do fogo avernal, dos pecantes que bebem do oitavo pecado.
A polícia e a imprensa merecem meu escárnio… tentam desesperadamente descobrir quem sou, mas nunca conseguirão a não ser que eu permita. Sequer conseguiram adivinhar minha motivação, apenas ligaram os meus sublimes  trabalhos anteriores pelo meu modus operandi quando purgo os pecados. Surpreendo-os com uma descarga paralisante de minha arma taser e depois, com calma, corto suas gargantas com minha karambit. Sempre adorei esta pequena lâmina curva de origem asiática, inspirada em uma garra de tigre.

      Sim, é como me sinto no momento em que estou cumprindo minha missão… um tigre, um predador diante de sua presa.
A karambit é minha fiel companheira nesta minha cruzada.
Mas é claro que antes de ceifá-los, eu explico o motivo de estarem sendo purgados, do seu suspiro final estar tão iminente. O que não entendo é a expressão de surpresa em seus olhos quando conto meus motivos para estar ali. Como podem desconhecer o vil crime que cometeram? Deve ser o medo do encontro com o Anjo da Morte que vem a nublar seus discernimentos. Outra coisa é que também parecem não me reconhecer imediatamente… mas é claro que isto deve ser pelo fato de que nunca tinham me visto pessoalmente antes.
O alvo de hoje é diferente… não chegamos necessariamente a ser amigos, mas já nos encontramos algumas vezes, já tendo inclusive bebido juntos em uma mesma mesa de bar, na companhia de outras pessoas. Mas isso em nada muda minha determinação, meu dever, minha missão. Aquele que comete o oitavo pecado capital deve perecer pela minha lâmina, esta é a minha lei.
Gostaria de saber se as minhas vítimas me perdoam quando estão perecendo, se entendem que não sou um criminoso e sim em carrasco que precisa cumprir seu dever, simplesmente. Pois se eu maculasse minha existência, ousando pecar igual a eles, com certeza não condenaria meu executor, pois saberia que não era mais digno de caminhar entre as pessoas. Pelo contrário, creio que até agradeceria a ele por estar fazendo a justiça merecida. Toda punição é merecida aos portadores do octo pecado.

       Ruídos na fechadura, meu alvo finalmente chegou… a adrenalina corre forte em minhas veias, é chegada a hora. Quando o pecador passa por mim e não me vê, abraçado pela escuridão do canto em que eu estava, o atinjo com a descarga elétrica, impiedoso. Ele cai, paralisado, sem sequer poder gritar. Logo estou sobre ele, minha lâmina brilha, sedenta, e os olhos dele brilham de volta, transmitindo surpresa, incompreensão e pavor.
Antes de encaminhá-lo ao Averno, faço meu ritual e explico o motivo de tudo:
– Olá meu caro, por favor, compreenda que o que estou prestes a fazer é necessário, você cometeu o Oitavo Pecado Capital e por isso deve perecer. Me entende, não é?
Nada… novamente terei que dizer o nome que tanto odeio, pois por incrível que pareça, ele parece não estar entendendo do que estou falando.
– Eu te condeno à morte, pelo crime hediondo de postar spoilers de minhas séries favoritas nas redes sociais!
E então minha  lâmina devora sua carne e bebe seu sangue. O pecado foi finalmente purgado.

DALTO FIDENCIO 
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