Paranóia

Por Milton T. Mendonça

 

Natural! Existe há milhões de anos. Foi usado pelo homem da caverna como analgésico. Na idade média, Leonardo da Vinci usava para sair da depressão. A sálvia deveria ser aproveitada e não proibida – este era o discurso de Antônio quando alguém lhe perguntava “Não! Eu não bebo chá de sálvia. Mas não tenho a pretensão de dizer se você deve ou não bebê-lo. Acredito na escolha individual, no livre arbítrio. Se esta escolha não prejudica o outro, como acontece nesse caso, brigo pelo seu direito de exerce-la. Não é o ato que aprovo, mas o direito de exercer a escolha. Sua ilegitimidade (de beber a Sálvia) é uma questão de preguiça do legislativo”.

Ele sabia o poder do preconceito. E nesse caso específico o preconceito estava sendo exercido juntamente com a mediocridade e a paranoia. A pessoa que o perseguia era doente.

Resolvera que ele era um bebedor de salvia, mais como oportunismo, na verdade, queria vê-lo pelas costas. Queria expulsá-lo da cidade. Porquê? Essa é uma resposta difícil! Arriscaria um palpite: cornidão pura e simples. Alguém na família dele, esposa, filha, mãe e, pode ser até a sogra, mostrara interesse pelo pobre rapaz, o resto é paranóia. Corno é corno e pronto. O motivo é de somenos.

Resolvera expulsá-lo da cidade e como estratégia espalhava por todo canto que ele bebia chá de salvia. Chegava ao cúmulo de pagar algumas pessoas, normalmente laranjas desocupadas, que se incubiam de passar adiante a maledicencia, sem perceber que estavam se emporcalhando junto com ele. As pessoas não respeitam portadores de má notícia. Ouvem, riem, mas o portador fica rotulado e na primeira oportunidade excluem-no.

É assim o mundo, e essa história não é diferente. Depois de algum tempo essa verdade foi-se delineando. A principio, achou engraçada, aproveitou para tomar uma ou duas chícaras de salvia relembrando a adolescência. Mas com a continuidade foi ficando chato e prejudicial, resolvera que precisava virar o jogo. Depois de analisar metódicamente a questão, percebera que o nível intelectual do seu oponente ficava muito a desejar. O que era de se esperar, já que este tipo de atitude ha muito fora identificada como fruto de almas pequenas, rasas e insiginificantes. A energia que teria que desprender para torná-lo ridiculo era irrisória. Traçou um plano.

Não ligaria. Ouviria calado e esperaria a reação do povo. Tinha esperança no ser humano, sabia que a verdade quando viesse a tona, faria a perseguição voltar ao perseguidor. Como a pedra ou a flor que lançamos para o futuro, na analogia de uma ação praticada, boa ou má. Estará invariavelmente em nossa rota no tempo e no espaço e nos acertará infalivelmente. Seremos feridos ou premiados confome o que lançamos.

E os dias, meses, e depois anos foram passando. A rua passou a ser o local dos inimigos. Até cortar os cabelos tornou-se um ato de inteligencia. Antes precisava reconhecer o terreno, analisar o profissional e só aceitaria o corte se não tivesse vínculo com os cornos.

Agora Antonio estava em casa, preso. Não conseguira nada com a verdade. A esperança esvaiu-se com o tempo. A solidão deixou-o sem perspectiva. A idade o tornou cansado, fraco, rancoroso.
Vendeu os móveis, eletrodomestico, tudo. Comprou uma automática com silenciador e esperou a noite cair. Tinha uma lista de nomes. Começaria pelos mais perto. A família toda de uma vez, do menor ao pai e a mãe. Depois abriria o leque e os exterminaria como exemplo para que esse tipo de crueldade jamais acontecesse outra vez.

Escreveu a carta onde explicava com detalhes a tortura que fora submetido por longos anos. Levantou-se vestiu a roupa de malha preta, o capuz e, como último ato humano antes de sair em busca de justiça, abraçou seu gato, o amigo fiel até o fim.

2017

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