Loteria Sagrada

 

Loteria Sagrada

Por Raul Tartarotti

No fastiar dos dias, nos cruzam rotinas que trazem novas oportunidades, e outras que quase não tentamos tocar. Simplesmente porque escolhemos a que nos arrefece o caminhar, como um templo de braços abertos, com ofertas a seu critério. “Estamos procurando fora de nós mesmos por força e confiança, mas elas vem de dentro. E estão lá o tempo todo” (Anna Freud). Um desses templos com múltiplas ofertas, o “Omikuji”, foi construído em Tóquio, na área de Asakuda. Ele recebe por ano cerca de 30 milhões de pessoas, que vão em busca de uma palavra mágica. É parada obrigatória pra quem visita Tóquio, e um dos tradicionais templos japoneses, onde encontramos algo como uma ” loteria sagrada”, que nada mais é do que um pequeno papelzinho da sorte oferecido à escolha do visitante. Por apenas 100 ienes (R$5,00), o visitante segue um rito: coloca a moeda, depois balança uma lata e retira uma das varetas de dentro do compartimento da vez. Com o número escrito nela, busca a referida gaveta e retira o primeiro papel disponível. Se a mensagem for positiva, guarda-se no bolso, caso contrário, é só amarrá-la em uma das balizas do local, com o objetivo de deixá-la pra trás. Parece que nesse curto encontro literário você descobre que não é a vida que vai te dizer o que você quer ser. E tenta se enganar, porque na verdade, é você que vai dizer pra vida o que vc vai ser. Na gaveta da sugestão, seu poder de escolha filtra oportunidades que a brincadeira torna realidade, e trás reflexão para os casos agradáveis, porém, expõe sua vida íntima, quando o recado descartado mostra o seu critério excludente, daquilo que pode ser mais complicado resolver. É muito difícil construir uma boa história de vida, que leva tempo e toma sua energia, mas pra acabar com ela, só necessitamos de um instante. A escolha que podemos fazer, somente das coisas boas, exclui a possibilidade de encontrar lá na frente um prazer maior do que esse imediato. Como o fez Caio Augusto Siqueira, com 17 anos, ganhou a Olimpíada Internacional de Física, considerada a mãe de todas competições científicas. Desde criança dedicou-se as dificuldades das ciências exatas e ganhou duas medalhas douradas brasileiras na Olimpíada, em 2011 e 2012. Estudou livros do ensino superior e em outros idiomas. Comumente permanecia até tarde da noite com obras em inglês, russo e francês. Em uma prova que durou cinco horas, demonstrou seus conhecimentos que lhe concederam o ouro olímpico. Mais ou menos assim você pode mostrar sua habilidade pra fora de si, com o gesto de aceitar o que lhe foi posto, e assim, conferir sua capacidade de realização perante os seus. É a morte que pergunta ao tempo que horas são, e por isso não lhe confere a pressa diária. Coisa que por sua decisão o impede de curtir a paisagem que passa em seus olhos, em troca de vãos minutos ganhos pela decisão afoita na busca de uma atitude certeira, por vezes baseada num pequeno papel, escrito num mundo que ainda não está pronto, sem antes olhar pra trás.

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