O mistério de Elisa – Capítulo 4

Por Milton T. Mendonça

O mistério de Elisa – 4º Capítulo

O ponto branco surgiu solitário no centro de seus olhos. Ao redor tudo era escuro e denso. Sem nenhum aviso o ponto começou a expandir escureceu e movimentou se transformando em uma cabeça. Ficou perplexa ao reconhecer o dinossauro com seu pescoço comprido esticado ao máximo comendo placidamente algumas folhas tenras de uma árvore bem alta. A câmera foi se aproximando e sem aviso focou crianças brincando em seu lombo. A garotinha ruiva com uma vara na mão surrava as costas grossas do animal tentando impulsioná-lo para frente. O gigante sem dar mostra que sentia algo continuava se alimentando tranquilamente.

– Que isso?! – Ouviu a voz de João junto com uma risadinha nervosa.

Sem querer ela emitiu um som – pedindo silêncio – e depois murmurou:

– Sssshhhh… Desculpe!

Concentrou-se nas imagens e seguiu fazendo um loop junto com a câmera. A lente grande angular cruzou o horizonte. Manada de várias espécies de dinossauros se reunia em um lago cristalino.

A câmera continuou lentamente deixando o lago para trás. Subiu até as nuvens girou cento e oitenta graus e focalizou o vale lá embaixo. A região era muito fértil. Viam-se plantações, árvores frutíferas, animais, e uma pequena cidade branca ao fundo. Tudo era limpo e calmo. Uma paz repleta de lembranças que não eram suas invadiu seu coração e mente. Ouviu a voz de João novamente:

– Isto que é vida!

A câmera desceu rente ao chão e correu pela estrada de terra batida filmando pernas e braços segurando enxadas primitivas ou vaso de barro, por vezes, rostos queimados de sol, alguns com rugas profundas, outros jovens, de homens e mulheres que trabalhavam nas plantações ou pegavam água em um grande poço. Cruzou com crianças de ambos os sexos vigiados por meninas mais velhas, ao longe, ocupadas embaixo de uma árvore gigante. Elisa tentou entender o que faziam, mas a câmera passou ligeira entrando na cidade murada pelo portão aberto.

A cidade era simples, um aglomerado de casas baixas de barro branco batido. Homens vestidos em carapaças de couro portando lanças rústicas, arco e flecha com ponta de pedra e bordões estavam sobre a paliçada vigiando. Apesar da falta de recursos, Elisa percebeu algo diferente naquela imagem e, conforme a câmera corria por entre corredores sombrios adentrando com um solavanco ao edifico bem acabado no final de uma praça varrida – com portas de madeira, lareira e um grande trono – é que se deu conta do motivo que a deixara alerta: A organização era exemplar.

O homem sentado no trono era alto e forte. Os longos cabelos vermelhos como uma juba faziam transparecer em seu rosto uma nobreza peculiar. Percebia-se sem muito esforço que ele não era um homem violento, apesar de corajoso. Tinha o distanciamento do pensador.

Doze guerreiros estavam frente ao trono ouvindo-o:

– ##***$&&@@@¨¨…

– Espere vou acionar o tradutor! – ouviu surpresa a voz de sua anfitriã ao fundo.

-¨##**% é a previsão. Não podemos esperar mais.

O guerreiro a esquerda deu um passo à frente e exclamou:

– Ela pode estar enganada!

– Vocês devem ir! Se encontrarem, voltem. Se for verdade deixaremos nossa terra e partiremos para nunca mais voltar.

– Os comedores de gente não nos deixarão passar.

– Vão! A lua os esconderá!

A ordem foi dada de uma maneira firme. O rei levantou-se e todos se inclinaram com respeito, ficaram eretos, deram meio giro no corpo e se afastaram sem olhar para trás.

A câmera seguiu-os até saírem do povoado e os focalizou até sumirem no horizonte, subindo em seguida até o espaço. Quando se voltou mostrou um globo diferente. O continente lá embaixo era bem maior e o oceano não se parecia nada com as lembranças de Elisa.

– Cadê o atlântico? – João perguntou com um risinho.

A imagem do vilarejo que antes era próspero retornou diferente. As casas estavam destelhadas macacos estavam deitados ou perambulavam por todo canto. A câmera correu rente ao chão acompanhando o relevo do terreno subindo e descendo montes até alcançar a caravana que se dirigia lentamente para o norte. Carroções rústicos puxados por dinossauros pequenos e gordos com nariz engraçado caminhavam em fila indiana pela margem de um grande rio.

A câmera voltou a subir e se distanciou do planeta.

Passou pela lua e continuou se afastando até encontrar três meteoros gigantescos. A câmera circundou as rochas espaciais e focou na direção da terra, ela havia desaparecido.

Onde pouco antes somente existiam estrelas aos poucos um minúsculo orbe apareceu. Foi crescendo, crescendo, até a atmosfera se tornar visível, depois as nuvens, a imagem borrada de um campo, o campo com uma linha se movimentando, a caravana com pessoas conversando alegre, o rei.

O rei estava sentado com as pernas cruzadas e meditando em um tablado com rodas. Ao seu lado uma velha sentada sobre uma manta manipulava alguns recipientes feitos de couro. Abria e cheirava ou chacoalhava curiosa.

– O que sugere que façamos senhora? – o rei perguntou sem se preocupar em abrir os olhos.

A mulher parou com a mão no ar e olhou raivosa para o rei. Seus olhos verdes brilhavam malévolos.

– Vamos exterminá-los não vão sobreviver ao desastre! Temos que tomar posse da caverna.

O rei abriu os olhos e mirou-a pensativo. Seus cabelos vermelhos caiam em duas tranças ao lado da cabeça suavizando seu rosto. A mulher fitou-o por um momento baixando a cabeça em seguida fugindo ao seu olhar.

– Saia! – Ordenou de repente.

A velha levantou-se lentamente recolheu a manta e seus frascos e desceu ajudada pelo soldado que seguia junto à carroça.

A câmera correu a caravana e voou para longe em linha reta. Parou sobre uma montanha e focalizou a planície lá embaixo. Dava para perceber nitidamente o contorno da cratera e seus habitantes entrando e saindo de choças mal acabadas no lado oposto.

A câmera se aproximou e focou os rostos amedrontados de homens, mulheres e crianças que corriam de lá para cá sem nenhuma organização. O chefe apareceu na entrada da caverna rosnando. Era alto e forte com cabelos pretos e olhar mortiço. A faca mal feita de pedra em sua mão espetada com a cabeça de uma criança pingava sangue no chão ao seu lado. Ele levantou a cabeça e urrou para o horizonte. Todos pararam e olharam aterrorizados.

A câmera deu um giro de trezentos e sessenta graus e quando retornou ao ponto de partida todos estavam mortos, empilhados um sobre o outro. A caravana se aproximava pela única passagem existente. Viam-se mulheres e crianças encarapitadas nas carroças gritando de alegria a plenos pulmões. O chefe de cabelos vermelho encostou a tocha que tinha nas mãos na pilha de mortos e uma labareda de fogo subiu para o céu.

Aos poucos uma nova aldeia floresceu. Casas baixas surgiram em redor da caverna. A plantação cresceu e espigas imensas, frutas desconhecidas, legumes rasteiros eram colhidas por mulheres jovens com a cabeça enfeitada com flores silvestres. Fogueira, festas, musica e sexo passou pela película por alguns minutos. Em seguida tudo ficou escuro.

Movimentos inesperados surgiram em foco. A noite continuava e a luz das tochas deixava ver homens suados descendo uma encosta íngreme. Elisa ouviu a voz de João dentro de sua cabeça:

– Os inimigos chegaram para se vingar!

– Sssshhh! – Ela respondeu zangada.

Um close do rei com o rosto suado e os cabelos sujos de terra brilhou no escuro observando uma cascata que caia de um rochedo com muitos metros de altura. A câmera girou lentamente e descortinou uma caverna do tamanho de uma cidade. Soldados sujos com ar cansado admiravam a beleza prateada, embevecidos, que caia formando um enorme lago mais abaixo.

Os quadros seguintes eram de homens e mulheres trabalhando na caverna. Lutas com animais subterrâneos estranhos alguns gigantescos. Homens carregando terras nas costas descendo encostas escorregadias. Acidentes. Mortes. Era uma tela com dor, alegria e esperança.

– Temos um filme para cada aventura mostrada – ouviram a voz da anfitriã – podemos ver em outro momento, caso se interessem. Não houve resposta.

O cinza e o negro desapareceram e em seu lugar o sol despontou com toda sua beleza, explodindo em cores a superfície da terra. A câmera correu pela planície atravessou montanhas e mostrou animais e homens na luta diária pela sobrevivência. Voltou ao vale ao anoitecer. Com sua lente grande angular observou o povo que labutavam na caverna olhando para o céu com respeito. Em oração. A lua cheia retirara o colorido do dia e banhava de prata tudo a sua volta. Do lado oposto a lua o escuro do céu fazia fundo a três estrelas vermelhas que se aproximavam trágicas.

O primeiro meteoro entrou na atmosfera com um brilho fulgurante correu o horizonte e mergulhou no mar do outro lado do planeta. Os dois restantes entraram quase simultaneamente despedaçando a crosta de gelo ao sul e incendiando florestas tropicais a leste. O estrondo fez tremer o mundo e transformou em cinzas tudo que existia.

O rei há muitos dias havia ordenado a sua gente que se recolhessem à caverna. A entrada fora selada e quando o momento do cataclisma chegou pegou-os nos seus afazeres domésticos. O subsolo tremeu por dias, houve desmoronamentos em todos os lugares. Famílias inteiras foram soterradas. Ouviam-se gritos de desespero na escuridão e os poucos pontos de luz dispersa atraiam os mais afortunados que ainda podiam se locomover.

Quando tudo se acalmou e tochas em grande quantidade foram acesas tudo se mostrou diferente. A caverna se alongara e afundara quilômetros para baixo. Um rio de lava penetrava por uma fenda se perdendo no interior das rochas. O rei reunira seu povo e descera corajosamente seguindo alguns animais que viviam nas profundezas esperando encontrar uma saída. Foram parar às portas do mar subterrâneo. Haviam encontrado uma grande planície com bastante ar, água potável e alimento. Um ótimo lugar para fazer renascer a aldeia. Conseguiriam sobreviver conforme a profecia.

Aprenderam a pescar e colher algas – descobrindo muito mais tarde que ela era a responsável pelo oxigênio que respiravam – Este foi o princípio. Os primeiros dias da nova civilização.

Os séculos passaram seguidos pelos milênios. O pequeno burgo se transformara em uma grande cidade com casas espalhadas por todo lado. Vez ou outra iam à superfície, mas logo voltavam contando histórias de gelos intermináveis. Aventureiros intrépidos vagaram pelo planeta nada encontrando a não ser gelo. A superfície estava morta – declararam. Esqueceram-na.

Com barcos rudimentares cortaram o mar subterrâneo encontrando novas terras, mas não encontrando saída para a superfície.

Durante este período a ausência do sol começou a trazer problemas – o povo começou a morrer jovem. Por milhares de anos as pessoas ficaram presas a moléstia que os dizimavam antes dos trinta anos. Os corpos dos homens e mulheres começaram a mudar. O cabelo perdeu a cor a pele embranqueceu, a inteligência aumentou, a visão criou mecanismo para identificar mais cores e variações de tons. A audição ficou mais sensível. A era da ciência surgiu no horizonte.

Mais alguns milhares de anos se passaram, descobriu-se o mistério do som, da luz, da eletricidade – usaram a lava que corria em seu quintal como fonte de energia – a cidade se transformou em metrópole com prédios gigantes e flores exóticas foram plantadas em jardins criativos. Os alicerces da sociedade se consolidaram. Mas a saúde continuava um problema. Ainda era raro alguém ultrapassar trinta anos de idade.

Foi por essa época que retornaram à superfície.

Continua no próximo capítulo…

Sobre Quênia Lalita 434 Artigos
Quênia Lalita escreve poesia. É ilustradora, tradutora e faz revisão de textos. E mora em São José dos Campos, SP

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