O outono que chega

 

O outono que chega

 

 

 

De mansinho. Como quem não quer nada, as folhas das árvores vão começar a cair no outono que chega. Da minha janela observo o quintal e fico imaginando as folhas deslizando pra cá e pra lá, ao ritmo da brisa suave no final da tarde. Essa coreografia me fascina e me leva a pensar no vai e vem dos ciclos da natureza. É a vida mudando suas roupagens, mas em essência permanecendo a mesma. A forma, em sua finitude, cumpre sua missão de abrigar por algum tempo o Sopro Divino em manifestação.
Fico perdido em meus devaneios, na visão de quem já viveu muitos outonos e percebe-se como parte e sujeito a esse mesmo ciclo. Já me encontro no outono da vida.
Enquanto isso, lá fora, no mundo dos homens, discute-se a tão mal falada SELIC e a taxa básica de juros, a emperrar o crescimento da economia. Ainda sobra espaço e tempo para discutir o aquecimento global e a guerra na Europa. Para alguns, são problemas ainda distantes para tirar o sono da gente. Para outros, já estamos sentindo as consequências das mudanças climáticas aqui no Brasil, além de que a Ucrânia é logo ali.
Para botar mais lenha na fogueira, os astrólogos alertam sobre o trânsito de Plutão em Aquário, configuração capaz de provocar profundas transformações e muitas rupturas nos assuntos humanos. Dizem que na última vez que essa configuração se desenhou nos céus, eclodiu a Revolução Francesa e outros movimentos transformadores.
Quer acreditemos ou não nessas previsões, o mundo anda muito conturbado e algumas mudanças profundas até seriam bem vindas.

 

 

 

Mas, voltando da vida real para minha janela, continuo a imaginar as folhas caindo, abandonando sua estabilidade nos galhos. Essa imagem sugere o desapego. O caroço só se desprende da fruta quando madura. Metaforicamente, creio que somente o ser humano amadurecido decide lançar-se à aventura do desapego.
Fico a pensar no outono da minha vida. É difícil desapegar-se das coisas concretas e mesmo imateriais. Mas quanto maior é o desapego, menor é a angústia. A paz de espírito não tem preço.
O que tornaria mais feliz o meu outono? Não sei ao certo. Hoje em dia já não tenho tantas certezas. Talvez seja aceitar e conviver mais com as pequenas coisas do cotidiano. Essas aparentes irrelevâncias que não fazem mal a ninguém. Algo assim como apreciar a algazarra da molecada jogando bola no campinho de areia. Regar as plantas e dar banho no cachorro. Sentir o cheiro da comida borbulhando no fogão. Bolo de fubá e café quente no bule. Coisas pequenas poderiam preencher os meus dias, depois de carregar tantos fardos inúteis. Seria um outono agradável.

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 192 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

4 Comentários

  1. Amigo, quantos outonos passamos e muitos mais por vir, simplesmente nos faz desapegar de coisas pequenas e nos levar a maior espiritualidade. Abraços

  2. A vida acontece também no outono, na guerra… Mas nossa alma já sabe que há outras formas de evoluir. E sentimos saudades das flores! Quantos e quais ciclos ainda precisaremos?

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