Uma possível função social para os quadrinhos.

Uma possível função social para os quadrinhos.

Por Rodolfo Salvador

Que relação mantemos com o passado (espaço da experiência)? Que tipo de reflexões e ações constroem o futuro (horizonte de expectativa)? Melhor ainda, como o passado se relacionando com o presente constrói o futuro?

Bem, ao se abordar tal questão pelo viés da produção artística da sociedade humana (entendendo-se aqui a arte como uma forma de se denunciar os males de seu tempo) observando o papel importante que a arte desempenha numa sociedade baseada no espetáculo, onde a mídia muitas vezes age transmitindo uma ideologia análoga a do “status quo” dominanteobtém-se uma perspectiva onde a manifestação cultural dos quadrinhos cumpre um papel crucial, tanto na questão levantada no primeiro parágrafo, como nas definições expostas neste mesmo parágrafo.

Os quadrinhos enquanto gênero literário e estilo artístico, compreende em sua essência muitas formas de expressão, abarcando estilos como a comédia, aventura, a ficção científica, a descrição histórica de fatos (podendo também descrever fatos históricos usando-se de alegorias metafóricas, como veremos neste texto), etc. E portanto auxiliando o homem (tanto como indivíduo singular e autônomo, como coletivo subordinado a normatizações sociais formais e informais) a elaborar seu imaginário sobre o passado ou o futuro a partir do presente. Logo, os quadrinhos fazem parte da produção de um determinado “tempo histórico”, auxiliando na relação entre nossa experiência e nossas expectativas.

Dessa forma compreende-se que faz parte da sociedade humana elaborar a partir do presente, utilizando-se da experiência do passado e correlacionando-a com a suas expectativas acerca do futuro, uma imagem de sua realidade. Numa sociedade capitalista, nossa realidade é definida pela super-velocidade das coisas, pela tecnologia, pela descrença, pela produção em massa, etc. A imagem de nossa realidade baseada nestas características assume uma forma completamente coerente com as formas de se pensar legitimadas por setores políticos e econômicos.

Porém, por vezes, vozes solitárias conseguem lançar um grito por aqueles que nesse mundo são engolidos pela lógica do mercado, que sofrem com as guerras mercadológicas – que visam não destruir um inimigo, mas sim ejetar mais capital no mercado bélico e consequentemente alimentando a xenofobia. Indivíduos ou grupos que sofrem também com as consequências do alinhamento forçado ao modelo capitalista, como foram os casos de todas as ditaturas de direita erigidas na América Latina na segunda metade do século XX, com apoio dos EUA, etc. Essas vozes, retiram da disciplina História a função de exprimir uma face da verdade, que ancorada numa postura crítica a da “real politique” em vigor, mostra como o capitalismo em todos os seus aspectos (culturais, sociais, econômicos, midiáticos, etc.) corroem a sociedade.

Artistas como, Joe Sacco, Brian Azzello, Alberto Breccia, Art SpigelmanMarjane Satrapi, etc., exercem em nossa sociedade o papel de denunciantes, de expositores da verdade que muitas vezes é varrida para debaixo do tapete pelo sistema. Seja descrevendo o drama dos palestinos em suas reportagens em quadrinhos (Notas sobre Gaza, Palestina: Uma nação dividida, etc. – Joe Sacco), ou criando uma fábula moderna nos moldes de Esopo, para dissertar sobre a questão da liberdade e as formas de sua conquista (Leões de Bagdá – Brian Azzello),   ou ainda ajudando na superação de traumas sociais, através do uso de alegorias (Perramus: Dente por dente – Alberto Breccia), relatando o calvário de um povo de forma fantasticamente humana (Maus – Art Spigelman), descrevendo um fato histórico sobre o prisma da inocência infantil (Persepólis – Marjane Satrapi), esses artistas auxiliam na elaboração de uma imagem da realidade, que se constrói através da relação entre o par dialético experiência e expectativa, onde o resultado, leva em consideração os aspectos negativos do desenvolvimento capitalista.

Dessa forma respondendo as questões levantadas no início do texto, nós seres humanos modernos mantemos com o passado uma relação de exaltação e negação, onde as ações cotidianas ajudam a construir o futuro. Nessa perspectiva podemos afirmar que é através da reflexão sobre o passado baseado nos eventos e ações do presente que construímos o futuro. Sendo assim, quadrinhos como os citados acima auxiliam a sociedade a discutirem seus traumas, servindo como janelas artísticas da realidade

Rodolfo Salvador –  Nascido em São José dos Campos, desde cedo já se interessava por quadrinhos, desenhando e lendo, durante a infância, hoje é professor de História. Desenha, produz roteiros e trabalha com ilustrações.

Essa matéria saiu na Revista Entrementes 0

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