Piscina Cheia

– Piscina é um negócio nojento mesmo. Se a gente parar pra pensar não entra numa de jeito nenhum.
– Ainda mais piscina de clube. Mas quem ligava pra isso? O que tinha que acontecer rolava aqui, em volta e dentro dela.
– Um caldo coletivo de bactéria, mas o que podia ser melhor que aquela vida irresponsável, cheirando a cloro? É, eu tinha cloro nos cabelos. Melhor ainda, eu tinha cabelos.
– Que graça tem hoje, com essa história de piscina em casa? Todo mundo tão isolado. Instrumentalizaram a piscina. Piscina serve pra não precisar ser sócio de clube.
– Lembro que você não tinha nenhuma estria ainda. Celulite, nem pensar. Pernas roliças, seios de pera. Ah, mulher, você era mais lisa e simétrica que os azulejos da Olímpica. Olha eles agora. Alguns soltos, muitos trincados, outros descorados, cheios de limbo verde.
– O que me comove é este seu transbordante romantismo.
– 1981, 82. Não havia como não olhar pra você, com aquele biquíni mínimo.
– Que depois eu acabei jogando fora, você não me deixou usar mais.
– Lógico. Aquilo ia bem na namoradinha dos outros. Quando te pedi em namoro já era pensando em casar. Nossa, você era pele e osso. Quase um desconforto te abraçar, Mirtes. Machucava.
– Me deixasse lá então, com meu biquíni mínimo. Se era mesmo essa faquir que você está falando, ninguém devia reparar em mim… nem você.
– Então, mas era uma magreza de modelo, esguia. Você era uma garça no meio das galinhas-d’angola…
– Na época você não me falava isso.
– Confete demais. Você se achava a última bolacha do pacote. Eu não repito nem pra mim os comentários da turma sobre você, antes da gente começar a namorar.
– Faz tanto tempo. Pode dizer agora, fiquei curiosa.
– Falar em confete, e os carnavais, heim? Muitos carnavais.
– “Quando por mim você passa, fingindo que não me vê, meu coração quase se despedaça…
– … no balancê, balancê”.
 Você bêbado feito um gambá, mamando aquela garrafa de tubaína cheia de Fernet com pinga.
– Tubaína, Fernet… volta pra 2022, Mirtes. Espana esse mofo, aí.
– Quem começou com o flash-back foi você.
– Olha outra do arco da velha… flash-back!
– Cinco noites e três matinês. Como é que a gente aguentava eu não sei.
– Uma folia emendava na próxima. Ia curando a ressaca de um dia com a bebedeira do outro…
– Você não valia nada, Bruno. Aposto que não se lembra mais daquela terça gorda quando te flagrei no carro com a Soraya-vai-que-é-fácil. E a gente já tinha aliança de compromisso.
– Efeito da tubaína. A Soraya era galinha-d’angola, como as outras…
– Ah, tá. Me engana que eu gosto.
– Eu até que era comportado. Pior foi o Julinho, que colocou uma câmera de vídeo no vestiário feminino. As debutantes todas, nuinhas. A fita circulou a cidade inteira, fizeram não sei quantas cópias. Sorte que você não apareceu no clube aquele dia.
– Olha lá, os caminhões de terra chegando.
– De novo, a velha piscina cheia. Antes fosse de gente.
– Sente comigo esse cheirinho bom de bronzeador. Pelo que vivemos aqui. Pelo que não volta mais.
– Mirtes, dá uma olhada no nome da empresa pintado nos caminhões.
– Júlio Piedade Terraplenagem e Engenharia. Que é que tem?
– É o Julinho. É a última do Julinho.

 

 

Esta é uma obra de ficção

© Direitos Reservados

4 Comentários

  1. É, os velhos tempos, rs!
    E piscina nunca entrei, mesmo antes da pandemia. Primeiro, tenho medo de água e depois ficava imaginando o compartilhamento das bactérias.

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*