tenho sido perseguida por borboletas e morcegos
e todo o resto que me move pra fora da cama
semana passada eu não sabia o que esperar desses egos
até que meu nada me recuperou do meu mal
tenho experimentado momentos de amnésia
por túneis de casual esperança e constante êxtase
só de pensar que eu precisava abandonar meu corpo
me parece uma desculpa esfarrapada para ignorar a cruel metástase
tenho sido xingada, e devo merecer cada heresia
mas pelo menos não estou sob o feitiço de outrem
então vou matar um tempo, nadando no meu próprio cinismo
já que a mais sincera das minhas vontades agora dorme no além
enquanto isso, sou forçada a lidar
com efeitos colaterais tardios de convulsões auto-inflingidas
abraço travesseiros, a esconder mil anos de mágoa
minto em silêncio, sem pausas nem sinal de alívio à vista
e coleto pedras raras pra guardá-las nos bolsos de bom grado
caso eu possa mostrá-las a você um dia desses
se eu me sentar e chorar, o farei com um sorriso estampado
pra que você nunca conheça o esgotamento que me aflige
me livrar das esperas é a melhor forma de segurar meu coração
antes que ele volte a se partir quando eu notar quaisquer tragédias
um estado de espírito que me recuso a admitir se chama solidão
enquanto procuro por uma correnteza para lavar os pés
sempre sussurrando, no irreal e no concretizado
sempre berrando, expandindo minha humilde saudação
tenho um fedor nas roupas que não me incomoda mais
com minhas mãos atadas nas costas, apertadas com afeição
quênia lalita
abril/2024
poema original em inglês
Poema muito bonito, amei.
O verso “até que meu nada me recuperou do meu mal” foi muito impactante e me identifiquei muito. A dor, o amor, a paixão e outros perrengues humanos surgem como que por geração espontânea e depois desaparecem sem deixar vestígios e sem explicações. Mas enquanto passamos por tudo é intenso e dá impressão que nunca sairemos disso, mas é tudo ilusão dos nossos débeis sentidos.
Abraço!
o que você descreveu sobre nossos perrengues humanos é um dos temas deste poema mesmo. ah, como é engraçada, essa vida, haha.
Um comentário sobre o poema ‘Efeitos Colaterais Tardios de Convulsões Auto-Inflingidas’, de Quênia Lalita:
Abri este computador com a intenção de escrever um daqueles poemas confessionais. Antes da manteiga derreter, hoje não quero pasta de amendoim em meu pão. Sei da fome no mundo. E sei de nossa quase impotência diante dos rumos da história, mas sua poesia é um alento. Acabei de ouvir Mila Teixeira no Spotify. E agora este seu poema, Quênia. Dias difíceis no campo profissional e isso nos incomoda. Se eu já fosse editor, brigaria para editar um livro de seus poemas. Já estás pronta para os livros, e os leitores têm poetas que já nascem prontos. E outros é um esforço de uma vida.
dias difíceis no campo profissional e vida difícil de poetas famintos, hahaha. ao mesmo tempo, é a poesia e a arte que nos salva do tédio e crueldade dessa existência – temos sorte em conseguir apreciar e criar, no fim das contas; eu não sei onde estaria e o que seria sem a minha poesia. quem sabe um dia você não edita um livro meu, Joka?