Meu tio e os relógios

 

Por Nilson Ares

Meu tio apreciava os relógios. Interessava-se por vários modelos, tamanhos e mostradores. Em especial os de caixa quadrada, dourada e com pulseira de couro. Admirava quando um de nós chegava em casa com um modelo novo no pulso.
Perdi a conta de quantos deixaram os olhos de meu tio brilhantes, fazendo-o arrancar elogios, na maioria das vezes sinceros, outras nem tanto, para não desapontar os sobrinhos.
Pelo pulso do meu tio, durante os seus 56 anos de vida, inúmeros relógios passaram e deixaram saudade; lembraram momentos, sua juventude, sua maturidade e sua efêmera velhice. A Bossa Nova e a Jovem Guarda, principalmente Roberto Carlos, embalaram a juventude do meu tio, que ao lembrar de algum relógio que usara, logo projetava do passado os lugares que em frequentou, os (poucos) amigos que teve , e as mulheres, claro…
Era muita história que eu passava as tardes ouvindo ele contar, sentado à calçada, num fim de semana qualquer.
O curioso era que meu querido tio não ligava muito para o tempo, não pensava no futuro, em ter mulher, filhos, carros, etc. Estas coisas pequenas para uns, fundamentais para outros (não vem ao caso discutir). Meu tio não estava nem aí para o dia de amanhã, embora nunca tivesse declarado algo sobre isso.
Os relógios apareciam junto com os empregos que ele conseguia e iam embora quando ele se desligava também, e a preço de banana; ao vendê-los aos “roleiros” que ficavam durante a semana parados em frente à igreja matriz, no centro da cidade.
Metalúrgico, vigilante, servente de pedreiro, ajudante-geral… Deve haver mais funções registradas em sua carteira de trabalho; a memória me falha, mas a lembrança mais nítida é a de sempre ter um relógio ou não a enfeitar seu braço, nos momentos de alegria ou tristeza.
José Francisco ou “Tio Né” como o chamávamos (Nenê era seu apelido de infância), amava a beleza dos relógios. Se pudesse tê-los-ia todos; os do mundo inteiro, principalmente os suíços.
Tio Né ignorava a supremacia do tempo, o passar dos anos, as rugas, as dores que vão nos levando sem perceber.
Um belo dia o tempo parou para o meu tio e ele estava sem relógio. Era domingo, 5 de abril de 2009, data dos meus trinta e cinco anos.
Como fazia todo domingo, ele voltava de uma banca de jornal próxima à nossa casa, e trazia notícias fresquinhas do “São Paulo” dele, do meu “Corinthians”, mas não deu tempo…
Tempo para chegar em casa e nos contar (a mim, a meu pai e meu irmão).
Não havia mais tempo, muito menos relógio…

(Para José Francisco Ferreira +05/04/2009)

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