O morador de rua

 

O morador de rua

– Alô! Sim! Aqui é do restaurante Prato Chic. Só servimos à la carte. Nosso serviço é muito especial. Pois não, meu senhor.
– O senhor quer reservar mesas para 20 pessoas? Para sábado próximo, a partir das 13 horas? Um minutinho só que vou anotar.
– Pronto. A reserva já está feita. Mais alguma coisa em que posso servi-lo?
– Não. Grato pela atenção. Vamos comemorar o aniversário de um ilustre amigo.
Sábado, 13 horas. Restaurante Prato Chic, na zona nobre da cidade (e põe nobreza nisso). As mesas estão reservadas. Os convidados começam a chegar.
Um dos garçons comenta com o seu colega: – Gente fina é outra coisa. Veja a educação dos caras.
O garçom passa a servir os antepastos. A conversa é animada. De repente algo estranho começa a acontecer na entrada do restaurante. Parece um tumulto ou discussão. – O que estará ocorrendo? – perguntam entre si os convidados.
Alguém, com aparência de morador de rua, gesticulava e falava alto, discutindo com os funcionários do estabelecimento. Andrajoso, cabelos desgrenhados, barbudo, vestes sujas, sandálias havaianas bem surradas, insistia em entrar daquele jeito no restaurante, enquanto tentavam barrá-lo. Aquilo já incomodava a clientela, causando mal estar.
Um dos garçons telefonou para um posto policial. E logo em seguida para o proprietário, ausente naquele momento, para relatar-lhe o fato. O clima ficou mais tenso ainda quando o gerente ameaçou retirar à força aquele sujeito maltrapilho do local.
Um dos convidados resolveu ir até à portaria para saber o que estava havendo. Qual não foi a sua surpresa quando reconheceu no “mendigo” o ilustre aniversariante.
– Doutor Epaminondas! Estamos a aguardar o senhor para o almoço. Mas, não consigo entender porque se apresenta assim, como um desses moradores de rua. Isso me choca!
Dirigindo-se aos garçons confirmou ser aquele o aniversariante e o acompanhou até às mesas.
Com um sorriso maroto, o doutor Epaminondas, que às costas levava um saco contendo algum volume, cumprimentou a todos, pediu licença e foi ao sanitário masculino. Lá demorou uns vinte minutos. Quando voltou às mesas era outra figura: barbeado, cabelos penteados, todo perfumado, blazer, camisa e calças so ciais, sapatos de grife.
Quando já eram servidos os pratos principais, ele resolveu explicar toda aquela situação inusitada e constrangedora.
– A partir da próxima segunda-feira eu serei um dos sócios deste restaurante. Criei essa situação, aparentemente tresloucada, com o único propósito de testar a qualidade dos serviços aqui oferecidos e da competência dos funcionários. E, não estou satisfeito.
Pouco tempo depois aparece o até então único proprietário. O doutor Epaminondas esclarece-lhe o ocorrido e discretamente pede-lhe para, ali na mesma hora, convocar uma reunião na cozinha com todos os funcionários. Permaneceriam apenas um no caixa e um garçom atendendo no salão.
Na cozinha houve a apresentação do novo sócio, que foi direto ao assunto.
– O grau de profissionalismo dos senhores me decepciona. A maioria não está preparada para atender o público frequentador deste restaurante. São desleixados, preconceituosos, e sem habilidade para lidar com situações emergenciais como a de hoje. Vou fazer demissões agora mesmo.
– E você, meu caro sócio, publique hoje mesmo no site do restaurante e na edição do jornal impresso de amanhã, domingo, anúncio de recrutamento de funcionários. Os interessados deverão comparecer com currículo, para entrevista, lá no escritório da empresa na segunda-feira, a partir das 9 horas.
Segunda-feira, 9 horas da manhã. Na porta do escritório uma longa fila de pessoas interessadas no emprego aguarda o momento da entrevista. No meio delas alguém chamava a atenção. Era um tipo estranho, talvez morador de rua. Cabelos desgrenhados, barba por fazer, roupas sujas e surradas, sandálias havaianas em péssimo estado. O que essa figura queria ali? Ou melhor, o que o doutor Epaminondas pretendia desta vez?

Por Gilberto Silos

Sobre Gilberto Silos 229 Artigos
Gilberto Silos, natural de São José do Rio Pardo - SP, é autodidata, poeta e escritor. Participou de algumas antologias e foi colunista de alguns jornais de São José dos Campos, cidade onde reside. Comentarista da Rádio TV Imprensa. Ativista ambiental e em defesa dos direitos da criança e do idoso. Apaixonado por música, literatura, cinema e esoterismo. Tem filhas e netos. Já plantou muitas árvores, mas está devendo o livro.

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