Eu?

Eu
Por Gustavo Terra
 

Não sou 
o que de carne aguda 
se revestem as tribos 
nem árido sopé em edifício que se implode

Não sou chama ave poste ou vendaval 
nem máscara do que me imagino

Não sou oito nem oitenta 
nem a pátina gris de quarenta voltas frouxas em torno do sol 
em rotas de espera vã 
entre fé cega e dúvida e fuga em quimeras

Não sou o que pinto em murais de efemérides 
ou esgares de desencanto

Não sou nada do que me avulto 
ou do que me abandona 
nem mesmo o improviso em que me equilibro ao ouvir meu canto 
que não é meu 
tem a minha cara

Não sou o vulto que a vista alcança 
que a fala fala 
e a noite excreta

Não sou grande coisa 
nem coisa alguma 
nem o iluso desejo que em mim amadurece 
como rio que brota e se busca 
e mais se perde em se achar

Não me sustém a nobre vontade 
se é vago o fruto do intento 
e uma ilha ao longe a saudade
do fim do tempo

O que me molda 
é a sombra do que não fui 
a verdade que ainda não vi 
o sonho
de quem não sei quem sou.

 

Gustavo Terra

 

 

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