Filhos da pupa

Para Luísa

Na linguagem popular, lagarta é o nome para o primeiro estágio larval dos insetos Lepidoptera: a ordem de insetos das borboletas e mariposas. As lagartas são herbívoras. Mas não todas, cerca de 1% é insetívora, até mesmo canibal. Ao eclodirem do ovo, as lagartas passam a se alimentar vorazmente, até atingirem a fase de pupa ou crisálida, que originará a borboleta.

Após esta introdução, obviamente retirada do Google, começa a nossa crônica. 

Estávamos, minha filha de nove anos e eu, entrando no rol do meu apartamento quando ela enxergou uma enorme lagarta. A Lepidoptera ia naquele seu caminhar ondulante, o que levou, na hora, a menina a entrar em pânico. Deu um grito agudo, e tão altissonante, que seu Quirino, o zelador, veio até nós com a expressão de quem esperava encontrar um arrastão no condomínio.

Olhando em volta, reparamos, para outra sessão de berros da pequena, mais seis lagartas no rol. Já em casa, após acalmar a filha, acionei o grupo de WhatsApp do edifício.

Abri os trabalhos contando o ocorrido em detalhes. E indagando sobre o que poderia ser feito para que a filhota pudesse circular nas áreas comuns, sem o incomum desejo de correr de volta ao lar.

As primeiras respostas foram acolhedoras. Fátima, do 21, se solidarizava conosco, declarando também ter fobia de qualquer animal rastejante, inclusive o presidente. Surgiram mais duas ou três declarações na linha e se acabou o carinho. Isto porque o síndico usou as palavras “dedetização” e “poda”.

Mirtes, do 94, veio logo com os dois pés no peito:

– Se alguém encostar num galho de coqueiro, ou tocar numa lagarta, chamo o Ibama!

 A declaração destoou tanto da atmosfera em que a conversa transcorria que houve uma pausa de cinco minutos nas postagens. Foi quando, Romilda, do 12, deu seu parecer:

 – Vocês falam isso daí porque não tem um filho pequeno que, outro dia, foi calçar o tênis e meteu o pezinho numa lagarta asquerosa.

Ohs, putz, carambas começaram a pipocar. A facção antipupas ganhou fôlego a ponto de exigir do síndico a imediata higienização do ambiente.

Nonato, do 78, conhecido por vender massas artesanais na feirinha do salão de festas, propôs uma terceira via:

– Lagartas são da natureza, não fazem mal a ninguém. Eu mesmo pego nelas e nunca me queimaram, é mito dizer que ferem a gente. Só que, para as larvas, também não é confortável transitar no saguão dos apartamentos. Temos que mantê-las em seu ambiente natural e diminuir a reincidência nas áreas internas.

Ícones de palminhas e outros GIF’s de apoio pulularam. O próprio síndico aplaudiu a proposta do chef usando um emoji risonho.

Tudo parecia se encaminhar para o fim da reunião, quando dona Maraísa, a senhora carrancuda do 102, encerrou a polêmica das lagartas:

– Nonato, você acha larvas bonitinhas, inofensivas e até passa a mão nelas? Será que aquele seu parafuso ao molho branco não é feito de lagarta? Não compro mais sua massa, meu filho. E vê se lava as mãos direito quando for cozinhar…

 Não houve mais interações no Whatsapp naquele mês.

(Publicado no Estadão)

Imagem: Caterpillar from Insects and Fruits –  by Jan van Kessel. Original from The Rijksmuseum. Digitally enhanced by rawpixel.

Sobre Carlos Castelo 49 Artigos
Jornalista, poeta, humorista profissional diplomado. Um dos criadores do grupo musical Língua de Trapo.

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